sexta-feira, 4 de maio de 2012

Crítica: Blindsight

Eu tenho um gosto realmente estranho em livros... Mês passado eu terminei de ler Blindsight, do Peter Watts, e minha primeira reação foi "o que raios eu estou lendo?". Como um todo a obra de Watts prova o dilema clássico da Ficção Científica: "soft" demais e você afasta os leitores por ser muito "viajão". "Hard" demais, e o problema é que ninguém vai entender direito, e Blindsight leva esse lado ao extremo - e com uma elevada dose de cinismo para tornar a leitura ainda mais "pesada".

"Como você diz que vem em paz, quando meras palavras são um ato de guerra?". A pergunta, aparentemente tola, é a maneira mais sucinta de definir o horror existencial envolvido em Blindsight. Essa é uma história de "contato", mas sob uma perspectiva muito mais assustadora do que a de um embate com uma civilização hostil: Rorschach, a embarcação (ou organismo) alienígena que é o centro do livro não é maligno, belicoso, ou qualquer outra coisa do gênero. Também não é uma entidade amistosa, é simplesmente algo com o qual é completamente impossível de se comunicar.

Isso porque Rorschach e seus tripulantes/anticorpos/componentes (não é claro) são totalmente desprovidos do que nós conhecemos por consciência - não no sentido moral, mas de personalidade, anseios, criatividade. Identidade. Mas ao mesmo tempo, é dotada de uma inteligência muito superior a humana. Consciência não é um componente da inteligência, é um erro de programação, uma deficiência - este é o horror por traz de Blindsight, um horror que é muito bem pautado na neurologia.

Ao mesmo tempo, Rorschach - reagindo violentamente ao "virus memetico" que é a humanidade, com suas transmissões de "futilidades" como linguagem, música, poesia, e conversas banais consumindo valioso tempo de processamento do alienígena - ainda não é tão perturbador quanto os tripulantes da Theseus, a nave enviada para investigar o organismo. Ou a atrocidade envolvida na expedição em si.

Boa sorte tentando manter paralelos com algo "atual" quando se envolve pessoas como uma linguista que voluntariamente dividiu sua mente em várias personalidades (procedimento ao que tudo indica normal no futuro horrendo de Blindsight), um biólogo tão entupido de implantes cibernéticos que ele é literalmente desprovido de tato, um vampiro "real" (dotado de capacidades mentais sobre humanas, e nenhuma compaixão ou empatia), e o nosso "protagonista", o homem sem consciência.

Essa talvez seja a melhor maneira de definir Siri Keeton. Desprovido de metade do cérebro, após um procedimento experimental na infância, Keeton é incapaz de ter emoções próprias, mas é perfeitamente capaz de replicar as emoções dos outros. O empata absoluto, ou um completo sociopata, possivelmente as duas coisas. Keeton levanta a segunda parte da premissa de Watts: não apenas a consciência não é obrigatoriamente parte da inteligência, sequer ela é parte da inteligência humana, e a sociedade moderna beneficia esses "simulacros" de consciência, a ponto de ser impossível distinguir se o que está na sua frente é uma "mente humana", ou um intelecto "puro" fingindo ser humano - um sociopata completo, assim por dizer.

A formação científica de Watts é muito bem aproveitada em todo o livro, mas especialmente ao imaginar o interior ambiguamente "vivo" de Rorschach, e os "organismos" que nele habitam - claramente inspirados em estrelas do mar - Watts é biólogo marinho, fator que transparece em todos os seus livros. Eles, ou Rorschach, por se "comunicarem" magneticamente podem influenciar e ler as correntes elétricas do cérebro, desligando sentidos, se movendo "entre os quadros" da visão (e ficando invisíveis), provocando alucinações e outras coisinhas do gênero. Tudo sem que eles sejam minimamente compreensíveis. O título em si vem desses "cortes" de sentido - Blindsight se refere a capacidade de uma pessoa cega de ainda reagir a certos estímulos visuais, sem que a visão esteja funcionando.

Como uma obra de licença Creative Commons, Blindsight pode ser obtido gratuitamente em epub - eu consegui o meu via Feedbooks. Recomendado... e provavelmente o texto está tão confuso quanto o livro em si.

5 comentários:

  1. Parece ser um livro à minha medida!
    Está em inglês ou português no Feedbooks?
    Boa crítica Henrique!

    Abraço

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  2. Boa crítica Henrique!
    Eu quero ler agora, me agita um link? Eu li ano passado Neuromancer do Willian Gibson, portanto estou totalmente na vibe de ler essa viagem foda do Peter Watts,

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  3. Boa dica. Mais um para a infinita lista.

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  4. Parece que, para quem gostaria que "V" fosse mais bem feito esse é uma ótima dica. Tem em Português?

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