segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Bau de Brinquedos: os MESTRES DO PODER

O poder de torcer a espinha!
Os anos 80 foram um mercado promissor para linhas de brinquedos. Com a flexibilização da publicidade infantil nos EUA, dezenas de séries animadas surgiram, cada uma um longo comercial para a próxima linha “revolucionária”. Mas nem todas as empresas tinham como custear um desenho animado para seus bonecos. Nesses casos, outras maneiras de se destacar no mercado eram necessárias.

A Revell foi uma dessas empresas que teve de se posicionar no selvagem  mercado de brinquedos para meninos dos anos 80 sem a publicidade “premium”. Para se separar da “massa”, a empresa optou por uma medida arriscada: se destacar pela “arte”, contratando o surreal artista Wayne Barlowe para criar uma nova linha de bonecos. Os Power Lords, lançados em 1983.

Barlowe é um artista que merece muito mais atenção que este texto pode dar. Sua arte é imaginativa e surreal, retratando paisagens e criaturas de outro mundo que em nada lembram seres da Terra. A escolha pelo artista foi resultado de um de seus livros menos autorais: Barlowe’s Guide to Extraterrestrials, de 1979, trazendo várias criaturas de livros de ficção científica pelos olhos de Barlowe. 

Um "pequeno" comparativo
A arte única de Barlow, em 1979. Rudimentar em comparação com seus trabalhos mais recentes. 

Alienígenas exóticos

Power Lords contava com uma ficção simples, narrada nas embalagens e em uma minissérie de três edições da DC Comics, que mudava alguns detalhes da história. O humano Adam Power recebe da rainha Shaya, do planeta Meru a poderosa Joia do Poder para proteger a galáxia contra as forças do ditador Arkus e sua Aliança Extraterrestre. Com o poder da joia implantada em sua testa, Adam se transforma no Senhor do Poder, e junto com Shaya (a Rainha do Poder) e gênio científico Sydot o Supremo, é a única força capaz de deter o tirano.

Sydot, como sempre, me dando mais medo que os vilões.
Um elenco incomum
Cada um dos personagens foi projetado por Barlowe, se originava de um planeta diferente, e tinha uma aparência radicalmente diferente de todos os outros. Mesmo Adam (em sua forma poderosa) e Shaya eram radicalmente diferentes de aliens “comuns”: nada de “testas de borracha” ou “homenzinhos verdes” aqui. Os gimmicks da linha eram todos condizentes com a visão artistica de Barlowe.

Adam Power passava de um humano “normal” para um ser sem pele, com músculos azuis e uma gema na testa com o apertar de um botão. Shaya passava de uma figura quase humana (com um terceiro olho e dois dedões por mão)  para um ser sem rosto coberto de fibras vermelhas e pústulas azuis. Sydot era um tiranossauro humanóide com sorriso de apresentador de Game Show.
O demônio do espaço.
Arkus. Por algum motivo, o posicionamento dos chifres me
faz pensar que eles estão saindo das órbitas oculares.

A estranheza dos heróis não era nada perto dos vilões: O tirano Arkus era uma figura alada que não parecia com nada deste mundo. Seus capangas Ggripptogg e Raygoth eram respectivamente um bruto de quatro braços e uma criatura vagamente píscea. Tork, era uma criatura espinhosa com a cabeça entre as pernas, sendo capaz de virar seu corpo livremente. Disguysor era o boneco mais “normal”, um bruto reptiliano capaz de mudar o seu rosto para quatro aparências diferentes. O “Starscream obrigatório” (antes do nomeador do arquétipo surgir!) Bakatak só pode ser descrito como um homem Tamanduá que atira espinhos das costas. O rival de Arkus, Drrench, era uma forma bizarra com três pernas e olhos na ponta de tentáculos.
Sem palavras.

Essas figuras excêntricas eram muito bem articuladas, contando com juntas universais nos ombros, dobras nos cotovelos, joelhos e quadris, e rotações nos bíceps e pescoço - muito além da norma para a época, na qual o padrão era “ombro, quadril, pescoço. DEU”. Mas isso não salvou Power Lords de ser vítima de sua própria genialidade.


Um fracasso prenunciado

Os homens do espaço sideral
Os ancestrais dos Power Lords, os Homens do
Espaço Sideral. 
Em seu tempo, Power Lords não foi um grande sucesso, contando com apenas uma coleção de dez bonecos, quartro veículos e quatro “Beast Machines” - figuras com tronco humanóide em um chassi de tanque, e que não foram projetadas por Barlowe, mas pelo ex lutador de luta livre Pasquale Gabriele (responsável pelos quadrinhos da adaptação americana de Embaixador Magma, Space Giants). Enquanto outras linhas tendiam a um design “unificado”, Power Lords seguia o mesmo estilo de sua “antecessora espiritual”, Outer Space Men, da Colorform Studios, em 1968: cada figura era radicalmente diferente das outras, representando seres de mundos distantes.

Assim como Outer Space Men, Power Lords foi previsivelmente um fracasso - pelos mesmos motivos que levaram a linha da Colorform a fracassar: os Power Lords eram estranhos e assustadores demais, fruto da arte de um artista hoje conhecido por suas pinturas do inferno e por projetar criaturas para filmes como Avatar, Hellboy, Pacific Rim e John Carter.

Parecem mais rejeitos do He-Man
Beast Machines: uma sublinha deslocada.
Para o público infantil da época, os bonecos eram pouco interessantes pela falta de mídia associada e por sua própria estranheza. Para os pais, eram bizarros e viscerais demais. Essas duas características afastaram o mercado consumidor. E na falta de uma  base adulta de colecionadores, Power Lords foi fadada a aquecer prateleiras antes de ser substituída por linhas mais populares.

O grande problema da linha da Revell era esse: ela foi uma das primeiras linhas de brinquedos a trazer aquele toque autoral que mais tarde marcaria empresas como a Onell Design e a McFarlane Toys, mas o fez sem que houvesse uma cultura de colecionismo adulto para esses brinquedos. Tivesse sido lançada 10 anos mais tarde - e com a tecnologia de produção que viria a surgir, poderia ter sido um sucesso.

Power Lords hoje

Hoje em dia a linha tem uma pequena e não muito ativa base fiel de colecionadores, e figuras completas giram na faixa dos 80 dólares no mercado secundário. Power Lords se tornou valorizada por sua excentricidade, mas as limitações da produção da Revell (com seus moldes pouco detalhados, que perderam muito da qualidade da arte de Barlowe) não os salvou de parecerem... toscos.
Army Builders na linha mais exótica de todos os tempos.
Algumas figuras modernas de Power Lords

Isso não impediu a linha de ter um “renascimento” em 2013, pelo estúdio Four Horsemen (o mesmo que reviveu He-Man como Masters of the Universe Classics). O estúdio ligado a Mattel adquiriu os direitos da linha em 2012, e usando o sistema Glyos (sobre o qual eu vou falar outra hora) com ajuda de Barlowe, refizeram até o momento dois dos designs originais: Ggrippttogg (que contou com lançamentos extras como “genéricos”) e Adam Power, com figuras separadas para as duas formas. Não se sabe quando vão dar continuidade a linha.

É até curioso que tenha sido a Four Horsemen que tenha “ressuscitado” Power Lords, dado que em 2010 eles reviveram a linha que serviu de base para ela, Outer Space Men. Embora não seja exatamente surpreendente. Afinal, a Four Horsemen vive disso: de reviver e modernizar linhas clássicas sem perder a sua identidade visual.