quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A iniciativa Hawkeye e as mulheres nos comics

Há muito tempo atrás, eu falei sobre a lamentável representação de homossexuais nas histórias em quadrinhos, em particular em revistas de super-heróis. Situação que melhorou muito pouco desde então, embora tenhamos tido alguns avanços significativos, e algumas medidas simbólicas, como fazer do lanterna verde da terra 2 "o lanterna verde gay".

Bem, agora, depois de quase dois meses de ócio, eu volto a falar de discriminação e representação nos comics com outro tema: mulheres. Tema que decidi trazer atona aqui (e reviver o blog no processo) em virtude da excelente Iniciativa Hawkeye, uma das maneiras mais hilárias de expor o quão ridículas e muitas vezes humilhantes são as poses absurdas tomadas por mulheres em hqs, redesenhando elas com o Gavião Arqueiro no lugar da contorcionista da vez.

Mas o problema vai mais fundo do que só a representação visual, então vamos por partes...


Falta de Identidade

Algumas dessas são versões diferentes da mesma Supergirl
Comecemos pelo problema mais "superficial" e mais óbvio: quantas super-heroínas são personagens em si? Grande parte das mulheres de destaque em HQs são ou começaram como uma versão feminina de outro personagem - e mais de um herói tem várias cópias femininas dele. Superman? Basta olhar as inúmeras Supergirls (quatro, da ultima vez que contei), junto com a Powergirl. Batman tem a Batgirl e a Batwoman - criada explicitamente como interesse romantico para o herói, em 1956 (para abafar acusações de que o homem morcego era gay, ironicamente, hoje ela é o personagem LGBT de maior destaque na DC). Mulher Gavião, Linda Strauss e Inza Nelson (Doctor Fate III e IV) são só mais alguns casos notáveis. Da "lista A" da editora mais antiga das HQs, a Detective Comics Comics - vulgo os membros "chave" da Liga da Justiça - a única não derivada de outro personagem é a Mulher Maravilha. 

É claro, esse não é o caso de todas as super-heroínas, mas uma grande parte se divide entre personagens de legado - vide a Questão atual, quarta detentora do título - ou cópias femininas de outros heróis, e o problema é mais notável na Marvel - ironicamente, a editora que tende a ser mais progressiva. Temos uma Capitã América (Sonho Americano, MC2), uma Mulher-de-Ferro (Resgate), ao menos duas cópias do Homem-Aranha (Mulher-Aranha II - a primeira tem identidade própria - e Garota-Aranha). 

Mas ela também exemplifica o segundo problema...
Roupa Própria?
Do meio disso tudo duas se salvam Jennifer Walters, a Mulher-Hulk - que nem se esforçaram com o nome, mas que hoje tem uma identidade muito forte desligada do primo - e Carol Danvers, a Miss Marvel, uma imitação tão descarada do Capitão Marvel que até a roupa era quase a mesma. Com o tempo ela se distanciou em termos de poderes e de design, ganhando uma vida própria como escritora, dramas pessoais e suplantando totalmente o original (hoje, a roupa e o título são dela). 

Não mais... e alguém detalhou um mamilo
A coisa fica ainda pior quando se olha os grupos feitos de imitações de outros heróis, onde temos uma predominância de mulheres e minorias - caso dos Jovens Vingadores, onde todo mundo é uma imitação, e é onde temos o mais notável casal gay da Marvel (Hulkling e Wiccano) e um dos mais notáveis casais multi-étnicos (Gaviã Arqueira e Patriota). Algumas super-heroínas da "lista C" podem não ser cópias de outro herói, mas copiam outra heroína, vide as cópias da Mulher Maravilha.

Para cada "Mulher Maravilha", temos 10 "Namoritas, Aqualass, Supergirls, Batgirls", e aparentadas. E é de se notar que a maioria das heroínas "autônomas" vêm de supergrupos. Não dá para dizer, por exemplo, que Ravena, Tempestade, Vampira ou Jean Grey sejam cópias de outros personagens - mas é notável que nenhuma dessas tenha surgido em uma revista delas - ou sequer que tenham uma revista própria. Na Marvel, a maior fonte de super-heroínas que não sejam legado ou parceiras de outro personagem está nos X-Men - justamente o grupo que nos anos 90 foi notável pelo excesso de personagens - enquanto na DC por muito tempo a fonte primária de heroínas não cópias era a Legião dos Super-heróis, com o mesmo problema.

Glory: a mulher maravilha de cabelo branco
(e em pose da playboy)
O boom das editoras no final dos anos 80 e inicio dos anos 90, com a ascensão de nomes como Extreme Studios, Wildstorm, Highbrow Entertainment, Top Cow Productions (todas do grupo Image), Dark Horse e Valiant resultou num aumento estarrecedor do número de super-heroínas nos mercado, com o surgimento de figuras como Lady Death, Glory, Witchblade, Cyblade, Avengeline e Fairchild. Todas sofriam de graus variados de derivação de outros personagens, indo de referências até cópias descaradas (Glory, em particular, era só uma imitação da Mulher Maravilha), e traziam a tona nosso segundo problema...


 Titilação acima de tudo.

Acho que a imagem ao lado seja um dos melhores exemplos do que vou abordar a seguir: temos aqui a primeira capa de "Vampirella", de 1969 (muito antes das garotas problemáticas do boom dos anos 90, e a "fonte" da Lady Death e da Avengeline). Embora o caso dela seja um caso extremo, o fato é que a representação padrão de mulheres nas HQs costuma ter como objetivo primário não a narrativa ou a demonstração de poder, mas sim a sensualidade e a titilação. 

Roupas coladas e decotas (as vezes simultaneamente), seios fartos, nádegas bem torneadas e pernas longilíneas são padrão entre super-heroínas e supervilãs igualmente, assim como poses absurdas que servem para colocar todos esses atributos em cena o máximo possível. 

Como demonstração disso, vou usar uma série de imagens da Iniciativa Hawkeye - a demonstração da mesma pose em um homem deve deixar claro o quão ridículas e muitas vezes submissas são as "manobras" de heroínas e vilãs.

Posando para a Maxim...
Não vejo qual o problema, é uma pose de ação, é poderosa, não é?

...Espera, o que diabos ele está fazendo?!

TEMAM MINHA VIRILHA! (sério, essa nem precisa da versão do Hawkeye)

Olhem como somos sexy!

É assim que a mutação dela é introduzida
Acho que isso são exemplos o bastante. Devo ressaltar que essas coisas não são exceções, mas sim a norma em muitas HQs...e a apelação sexual vai muito mais fundo do que só o artwork. O Boom dos anos 90 trouxe muitos casos extremos disso, como a seminua Lady Death, e a membro mais notável do Gen 13, Caitlin Fairchild - que além de ser uma Mulher-Hulk não verde, tinha a "memorável" habilidade de terminar quase todo arco de história com as roupas rasgadas - literalmente passando do que em geral era um maio hiper colado para quase nada no curso de algumas edições.

Ou o mais descarado caso de Amanda Waller, antes uma senhora gorda de meia idade, uma das poucas mulheres não atraentes do universo DC, que conseguia se impor como personagem sem precisar ter o físico de uma top model e os movimentos de uma stripper...


... e novo 52 é assim que ela tem sua primeira aparição: jovem, magra, empurrando o decote para a frente. O que era uma das únicas mulheres não "boazudas" da DC reduzida a mais uma, para como colocou o ex-editor chefe Dan Didio "focar no público masculino". Se "sutilmente" dizer que mulheres não gostosonas não tem lugar em HQs não é misoginia, eu não sei o que é.

Outro caso notável mais recente é o da Starfire/Estelar, dos Jovens Titãs (ou seja lá qual o nome da revista em que ela está hoje, Red Hood and the something-something acho). Estelar sempre foi altamente sexualizada, mas quando a DC decidiu resetar todos os seus títulos com o novo 52 ela sofre uma simplificação grotesca de personagem...

E ganhou uma espinha de borracha...
David Willis definiu bem o problema.
Antes uma figura alegre e emotiva, que celebrava o amor em todas as suas formas, incluindo o sexo, subitamente ela foi reinventada como uma figura apática e distante cujo único interesse era o "bom e velho tango horizontal". Obviamente, isso causou um grau considerável de polêmica - vinda em grande parte de quem conheceu a heroína através do desenho dos Jovens Titãs, e que merecidamente esperava algo minimamente similar a versão animada dela (e que fez mais sucesso que qualquer versão em quadrinhos da Tanagariana seminua). 

Para outro exemplo do foco excessivo em erotismo, é só ler o roteiro da primeira edição de All Star Batman e Robin (do eterno obcecado com prostitutas Frank Miller), que gasta mais tempo com instruções de como Jim Lee deve desenhar as nádegas da Vicki Vale (que passa as primeiras páginas desfilando de lingerie sem nenhum motivo) do que escrevendo a maldita história. E a repórter de Gotham nos leva ao terceiro problema...


Companheiras, Amantes e Sedutoras

Rápido, me digam alguma amiga da Lois Lane. Nenhuma? Que tal da Mary Jane? Algum detalhe da vida pessoal das personagens secundárias além do herói do título? Difícil, não? Algum interesse pessoal da Selina Kyle, a mulher gato, além de Batman e roubo de jóias (a julgar pela revista dela, sexo com o Batman após roubar jóias)? Embora algumas versões alternativas tenham mais profundidade do que isto, a grande maioria das personagens femininas em quadrinhos acabam se resumindo a um dos três papéis acima, especialmente quando são jovens.

É claro, é fácil dizer que isso é resultado de serem personagens secundárias... Mas enquanto o Comissário Gordon tem uma vida além de Batman e Bruce Wayne, o que se sabe da vida pessoal de Vicki Vale? Além da equipe do planeta diário, quem são os amigos da Lois Lane? Até em membros de super equipes essa discrepância é notável - quantas relações fora dos X-men ou dos vingadores tem a Tempestade - uma das mulheres de maior destaque na Marvel? Talvez ela não seja o melhor exemplo, mas é um personagem mais conhecido.

Peguemos um caso melhor, então: as multiplas mulheres no passado do Wolverine. Enquanto outras figuras do passado do baixinho enfezado tem longas vidas além da relação com o Logan, toda a existência de Yuriko (Lady Letal) e Silverfox parece girar em torno do X-men, vingador, X-force, X-qualquer coisa e rouba cenas padrão da casa das idéias. Não sabemos nada sobre elas além da relação com Logan. Enquanto isso, Dentes de Sabre tem um bocado de ligações além do Wolverine (notavelmente, o caso do Graydon Creed, o filho dele com a Mística).

The RuleUma boa maneira de se avaliar as questões de gênero no nível mais básico é o teste de Bechdel, introduzido pela cartunista americana Alison Bechdel na tirinha "Dykes to Watch For", em 1985. Para passar nesse teste básico, uma obra precisa ter: 1) Ao menos duas mulheres. 2) Elas tem que conversar uma com a outra. E 3) sobre algo além que não seja um homem. Não-surpreendentemente, não são muitas revistas de super-heróis que passam no teste. De fato, a maioria mal passa no primeiro item, e muitos dos que passam falham no segundo (em geral, quando passam do segundo o terceiro é garantido, o problema é chegar a tanto).

Uma heroína (e ex-vilã) que eu gosto muito, mas que falha espetacularmente em ter uma vida pessoal é a Soprano - como vilã, sempre definida pela relação com um vilão maior, e como anti-heroína e depois heroína nos Thunderbolts, nunca definida além do heroísmo e da relação com o Fundador dos thunderbolts, Barão Zemo. Isso parte de um problema essencial da industria de quadrinhos, e que também afetava a questão dos homossexuais: achar que "mulher" conta como um tipo de personagem. A mentalidade - não intencionalmente - é simples: "já é uma mulher, então tenho um personagem pronto".

É como a questão dos heróis negros, extremada no Luke Cage : "ele não precisa de um tema, ele já é um negro". Isso advém de um grau internalizado de sexismo por parte de autores homens, que os leva a ver mulheres como algo a parte, externado no discurso raivoso do ilustrador Tony Harris em novembro deste ano, afirmando que mulheres não são bem vindas nas convenções, não são nerds de verdade, e que seu único interesse é "chamar a atenção de homens inseguros para se sentirem bem". Resumindo: "Vocês não são como nós, são MULHERES, não vão nos entender, só querem nos seduzir".

Mulheres no refrigerador

E agora entramos no ultimo e mais violento problema, o que a escritora de quadrinhos Gail Simone chamou de "mulheres no refrigerador", a estranha tendência de personagens femininas serem mutiladas, perderem os poderes ou serem mortas como um dispositivo de trama. O apelido para esse tropo desagradável vem de uma cena infame dos quadrinhos do Lanterna Verde (ao lado), quando Kyle Rayner encontra o corpo mutilado da namorada enfiado na geladeira.

Embora heróis masculinos também sejam vítimas de violência como ferramente narrativa, como no caso do segundo Robin, Jason Todd, espancado até a morte pelo Coringa, isso não torna a situação menos desigual. Segundo o ex-editor do Comic Book Resources, John Bartol, no caso deles a tendência é retornar ao Status Quo - vide a morte e retorno de personagens como Super Homem, Bucky, Capitão América, Batman, Barry Allen (Flash II) e o próprio Jason Todd.

Enquanto esses personagens retornaram a vida, a maioria das mulheres "enfiadas no refrigerador" nunca retornam ao Status Quo. Quando Bruce Wayne ficou paraplégico, rapidamente ele encontrou maneiras de RESTAURAR UMA COLUNA QUEBRADA, mas quando Barbara Gordon esteve na mesma situação, ela só retornou a andar após o reboot do universo DC com o novo 52. Segundo Bartol, após as alterações, a maioria das personagens "nunca tem permitida, ao contrário do que ocorre com heróis masculinos, a oportunidade de retornar ao seu estado heroico original, e é aí que notamos uma diferença".

De acordo com Gail Simone, esse padrão é um dos maiores responsáveis pela falta de interesse de garotas por quadrinhos. "... a questão sempre foi: se você demolir a maioria das personagens que garotas gostam, então garotas não vão ler quadrinhos, simples assim", afirma. E não são raros os casos de "mulheres no refrigerador", sejam antigos ou recentes. Por raramente terem papéis principais, mulheres são "alvos fáceis" para gerar drama, mas nem as protagonistas escapam.

Vale notar como ela não teve sequer
chance de se defender.
Da morte de Gwen Stacy - um ponto alto na narrativa de super-heróis, até absurdos como a gravidez acelerada via estupro incestuoso da Miss Marvel (um dos pontos mais baixos da Marvel, e que hoje é estarrecedoramente tratado como piada), as duas mortes quase simultâneas da Vespa, o período sem poderes da Mulher Maravilha e o aleijamento da Batgirl (e implícito estupro), ou a morte da Big Barda (a mulher que é mais forte que o Super-homem!) na cozinha, o problema não é nos casos isolados - mas sim no fato de serem um padrão nocivo que atinge até personagens que deveriam ser ícones de afirmação, vide a infame "tentativa de estupro" em Buffy (não um caso de quadrinhos, mas notável mesmo assim). 

Mas vocês não precisam acreditar na minha opinião: pesquisem, leiam e vejam por si mesmos o quão entrelaçada na industria de quadrinhos está a misoginia, lamentavelmente. Um padrão que pode - e deve - ser mudado. Não podemos e nem deveríamos tentar fazer com que HQs sejam um clube do bolinha. 


*P.S.: Para quem afirma que homens também são objetificados em HQs, David Willis tem umas coisas pra te explicar...
Falsa equivalência.
P.P.S: 

Para quem diz que é um assunto irrelevante, e que mulheres não são o publico alvo,Willis mais uma vez - e há realmente de se questionar alguém que defende excluir 50% da população...



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

E os Beast Formers voltaram! *rejoice*

Agora sim eu posso dizer que voltamos de vez aos anos 90... Semana passada, na New york Comic Con a Hasbro revelou o que 2013 aguarda para a coleção de Transformers Prime, com o subtítulo Beast Hunters (Nada menos que o título que Beast Machines teria originalmente) - e o reveal foi de nada menos que o retorno de beast modes, praticamente desaparecidos desde Transformers Cybertron (salvo pela Viúva Negra e o Waspinator de Animated).

Isso, e um bocado de retools entupidos de espinhos e armas EXTREEEEEEEMAAAAAAAAAASSS (outra coisa típica dos anos 90), mas o que mais interessa é o retorno dos Predacons (nada de Maximals por ora), que infelizmente compõe uma parte pequena do que foi apresentado na NYCC. Bizarramente (ou nem tanto) muita gente deu verdadeiros chiliques no forum do TFW2005.com, incluindo uma galera que disse que "vai parar de colecionar prime" por causa de Beast hunters.

Por mim, eu adorei - se há um problema grave com a linha de Prime - e que dividiu com Dark of The Moon- é a absoluta falta de variedade nos bonecos e nos Altmodes - os únicos bonecos de Prime que não viram carros são Megatron (uma... coisa), Optimus (Caminhão, derrr), Starscream (Avião), Airachnid (Helicóptero, mas o boneco é uma droga), Arcee (moto) e Soundwave (drone). Todo o resto? Carros, nada de tanques, aviões, helicópteros, veículos de construção, ônibus espacial muito pequeno, hovercraft fora de escala, trens, empilhadeiras, ou o que quer que seja. Se não vão nos dar variedade de veículos, então que tragam os bichos! Pena que todos os que foram mostrados parecem algum tipo de dragão/dinossauro monstro.



domingo, 30 de setembro de 2012

Crítica: Dredd

Voltando a ativa mais uma vez...

Tem algumas ocasiões que filmes se encontram em uma situação paradoxal: não são boas experiências cinematográficas, mas são obras completamente sólidas em todos os aspectos. Só parecem estar no lugar errado, na mídia errada. Dredd é um desses filmes. Embora seja tranquilamente bem sucedido como adaptação, mantendo o humor negro e a pesada sátira ao autoritarismo dos quadrinhos ingleses - como apenas os britânicos conseguem - e seja uma boa peça de entretenimento para quem não se incomoda com violência bem pontuada, Dredd simplesmente parece... deslocado nos cinemas. 

Dentro da obsessão hollywoodiana com épicos e "salvar o mundo" em absolutamente todo filme de ação, a produção de apenas US$ 45 milhões fica fora do seu ambiente com sua trama restrita ao que é uma batida em cima do narcotráfico. A falta de drama pessoal ao protagonista, o Juiz Dredd (Karl Urban, no cumulo da interpretação facial) e o foco mais no "rito de iniciação" da Juiza Anderson (Olivia Thirlby, adorável demais para esse cenário) parecem mais apropriados para o piloto de uma série de TV do que um filme de fato - ao menos hoje em dia. 

Infelizmente, essa não é única maneira em que Dredd parece "off" no cinema contemporâneo, e a desconexão com os padrões do mercado explicam o fracasso do filme, que rendeu apenas US$ 17,8 milhões - matando qualquer chance de uma sequência. Enquanto o público moderno exige filmes muito bem "explicadinhos", Dredd segue o mesmo padrão dos quadrinhos: estabelece o cenário - Megacity One, uma gigantesca cidade de 800 milhões de habitantes cobrindo toda a costa leste dos EUA, após uma guerra nuclear, onde a segurança publica cabe aos Juízes, policiais que atuam como jurí, juiz e executor - em poucas linhas, e parte logo para a história. A primeira vista, pode parecer uma obra apenas para os iniciados nos quadrinhos de 2000 A.D. - mas este é o padrão narrativo no material de origem. Também direto dos quadrinhos vem os comentários secos do anti-herói, soturno, mas capaz de pitadas do mais extremo humor negro. 

A trama é simples, e não estaria de maneira alguma fora de lugar nos quadrinhos - e nem em um episódio de uma hipotética série de Judge Dredd: Dredd, o melhor dentre os Juízes leva a novata Anderson - reprovada para a função pelas notas, mas julgada "util" por ter poderes telepáticos - para a "prova final", lidando com uma situação real quando três gangbangers são esfolados e atirados do 50º andar de um megacondomínio. A situação passa de um crime de rotina para algo mais grave quando a dupla percebe que a líder da gangue local, Ma-Ma (Lena Headley) está disposta a matar o condomínio inteiro para impedir que o autor dos assassinatos seja levado para interrogatório. Em ponto algum o filme gasta tempo para estabelecer o passado de Dredd, e agradavelmente evita o erro gravíssimo do outro filme do anti-herói: mostrar ele sem o capacete. 

São os detalhes que importam no conjunto que é Dredd - enquanto a violência extrema do filme pode parecer mais um caso de banalização e de "gorn", como nos quadrinhos a reação casual dos cidadãos de MegaCity One a brutalidade dos juízes e das gangues é o verdadeiro sentido da violência: criticar justamente a banalidade da mesma. MegaCity é um reflexo da realidade contemporânea, onde se ignora a violência da polícia, e se age como se a criminalidade fosse apenas um "fato da vida", lidado com mais violência. Tanto no filme quanto nos quadrinhos, Dredd não defende a ideia de uma polícia que sirva apenas para "matar bandido", e sim escancara o tipo de sociedade que essa atitude resulta. 

E quando digo violência extrema, digo comparável ao Robocop de Paul Verhöeven - outra peça que usa de sangue e tripas como maneira de levantar a pergunta de "porque" aceitamos aquilo, e porque tantos desejam uma polícia pronta a mutilar. E isso é reforçado pelo trabalho ótimo de câmera e os efeitos especiais, caso único de câmera lenta plenamente justificada - pela droga Slo-Mo, usada pelos viciados do complexo Peach Trees- e que não atrapalha em nada nas cenas de ação. A variedade de munições dos Juízes também dão chances absurdas para a violências (Hotshot, alguém?).

Embora não tenha uma reprodução perfeita dos figurinos das HQs (ao contrário da outra tentativa de levar Judge Dredd aos cinemas, com Sylvester Stallone, e que não mencionarei mais), Dredd é fiel à estética de 2000 A.D., e escapa de uma das mais comuns armadilhas de filmes modernos. Enquanto o cinema de ação e suspense hoje em dia parece obcecado com tomadas mal iluminadas e cenas noturnas, Dredd se passa quase todo durante o dia, com cenas bem iluminadas, e que mesmo assim não enfraquecem a tensão da trama. Se qualquer coisa, reforçam o clima opressivo, onde a violência, tanto pelo crime quanto pelo estado, não se restringe a escuridão.

Como filme isolado, Dredd é uma obra de qualidade - não é nenhuma obra prima, e peca pela trama talvez simples demais. Mas como adaptação de quadrinhos merece parabéns. Embora não seja o melhor filme de quadrinhos, é tranquilamente uma das mais fiéis adaptações, só perdendo para 300 e Sin City - e apenas por que estes são cópias diretas das Graphic Novels. Traduções, e não adaptações, assim por dizer.




quinta-feira, 19 de julho de 2012

Crítica: Die Sterne Stehen Richtig


Uma das minhas acquisições na Alemanha, quando passei por lá em 2010, Die Sterne Stehen Richtig  (As estrelas estão corretas), da Pegasus Spiele, e lançado em inglês pela Steve Jackson Games é um joguinho bem diferente. Com arte de François "Goomi" Launet, do ótimo Unspeakable Vault (of Doom), e design de Klaus WesterhoffDSSR é composto por 75 cartas, representando várias criaturas dos "mitos de cthulhu", e 25 marcadores de estrela, que compõe "o céu noturno".

A ordem do jogo é simplíssima : 1. Compre cartas até ter 5. 2. (opcional) descarte uma carta para mudar o céu noturno. 3(opcional) use uma carta da mesa para alterar o efeito do descarte 4.(opcional) baixe uma carta. 5(opcional) descarte todas as criaturas sacrificadas para baixar um grande antigo.



canto direito : ações via descarte. Canto esquerdo da ilustração : valor em pontos. Base da ilustração : "constelação" necessária para baixar. Base da carta : Mudança nas ações.
Na base de cada carta, há uma série de icones, em uma formação especifica, que precisa estar visivel no céu para que aquela carta possa ser colocada na mesa. E ao lado das cartas, setas que indicam as ações que você pode fazer com o céu ao descarta-la. As três ações são "trocar", "empurrar" e "virar". trocar muda dois marcadores adjacentes de lugar. Empurrar move toda uma coluna ou linha, fazendo com que a primeira estrela seja a última, e todas "subam" igualmente. Virar muda qual face do marcador está visivel.

As cartas que já foram baixadas adicionam mais um elemento estratégico. Virando uma carta, pode se mudar o efeito, como tornar uma "empurrada" em três, ou uma virada em uma troca. Cada carta tem no canto um valor em pontos, que são ganhos ao baixar ela. O jogo termina quando alguém faz 10 pontos. É simples, sem muitas regras, poucas cartas tem efeitos especiais, e as que tem são coisas como "troque um servidor seu com um de outro jogador" ou "descarte sua mão e compre seis cartas". Deveria ser rápido, mas é comum que o jogo fique "travado" em uma situação em que ninguém pode baixar nada.

Die Sterne Stehen Richtig pode ser encomendado pela internet, ou comprado em lojas alemãs, onde custa cerca de 15 euros. A edição americana custa 27.95 dólares, valendo muito mais pegar o jogo em Alemão - se ainda encontrar. Pretendo mais uma vez tentar jogar isso em breve - com sorte, talvez eu finalmente ganhe.

Crítica: Dominions 3


Dominions 3 é, em uma palavra, confuso. Embora seja um jogo que eu adore, não posso deixar de pensar que é complicado demais. E antiquado demais. A série Dominions tenta recapturar aquela sensação dos jogos de estratégia dos velhos tempos, como os da extinta SSI (Panzer General, Fantasy General, alguém lembra?). Eram jogos complexos, que exigiam uma quantidade imensa de micro gerenciamento, que deixou de ser possível nos jogos em tempo real.

Em Dominions, o objetivo é simples : na pele de um "deus impostor", derrotar todos os outros deuses impostores do mapa e se tornar o único e verdadeiro deus. Não há diplomacia, não há comércio com os outros jogadores, é você contra todo mundo. Algo que não se vê muito em jogos atuais. Em alguns é até mais viável ganhar pela diplomacia! (GalCiv, estou olhando para você!)


Já começando o jogo, tem um monte de opções, a primeira barreira que pode afastar os novatos. Primeiro : Não há modo campanha, e não há tutorial. O jogo vêm com um manual de 300 páginas, melhor ler ele primeiro, já que o jogo não explica coisa alguma. Segundo : após escolher o mapa, tem que se escolher a Era.. Como assim, escolher a Era?! Explico : Dominions é dividido em três Eras (early, middle e late, falta de criatividade nos nomes? Na verdade, não). Essas eras não são como as eras do Age of Empires, que se passam durante o jogo. A escolha delas é só na criação do jogo, e vai decidir as civilizações, as unidades, magias, e deuses impostores disponíveis. Aí vem as civilizações, e o número de jogadores... CINQUENTA CIVILIZAÇÕES, cada uma com uma versão diferente para cada era, e dotadas de uma variedade incrível... vai desde um "não império romano" até a cidade submersa de R'lyeh, do escritor H.P. Lovecraft. A última etapa pra se começar o jogo, é criar os deuses impostores, e sim, Cthulhu pode estar nesse jogo, uma das formas para um deus de R'lyeh é o grande antigo em pessoa, e outra é Nyarlathotep! Já aqui, temos um monte de variáveis que nem o manual explica direito. Dá pra escolher a forma do deus, as capacidades mágicas, a maneira como ele afeta o mundo, e quanto tempo ele vai levar para despertar... e todas essas características influenciam um monte no jogo.

O mapa estratégico, no meio de um jogo loongoo
E falando em afetar o jogo, o sistema inteiro é estupidamente cheio de variáveis, tanto que a única maneira de tornar os combates viáveis foi fazer com que o comando das tropas fosse indireto, atrávez de "ordens gerais". Apenas no mapa estratégico, a parte de gerenciamento, temos : Taxas, Patrulhamento, Fé, Caos/Ordem, Temperatura, Vitalidade/Poluição, Recursos, Ouro, Fortalezas, Templos, Mana (seis tipos), e os inúmeros tipos diferentes de unidades (mais de 1500 no jogo todo), cada uma com habilidades especiais que podem ou não afetar o mapa estratégico. Fora as magias (+ de 600), Itens mágicos (+ de 300), e lugares especiais (sei lá quantos tem), que podem bagunçar muito o andar do jogo. No final das contas, o jogo acaba sendo tão complexo, que nem a máquina é capaz de lembrar de tudo que pode ser feito, e a AI do jogo sofre com isso, fazendo imensos exércitos de unidades básicas por não lembrar de fazer heróis que possam fazer fortalezas, por exemplos. Nota : não é que a AI esquece de fazer FORTALEZAS, mas sim dos heróis que podem faze-las.
Pena que toda essa descrição é perdida num jogo sem história.

 O combate tático então, tem tantas regrinhas, que como dito acima, não pode ser compreendido pelo jogador, que pode no máximo determinar "comportamento geral" e ver o combate andar. Por causa das regras caóticas, alguns combates tem resultados absurdos, como um deus impostor tombar para um Blood Slave (a unidade mais fraca do jogo inteiro), ou um único cavaleiro derrotar 300 devoradores de mentes, simplesmente por ter sorte nos "dados". E olha que isso são só coisas que eu VI, não sei se alguém passou por algo pior jogando.

Dominions conta com um cenário rico, com ótimas descrições, que infelizmente é perdido em um jogo cuja história é literalmente apenas uma desculpa pro quebra pau. Daria um ótimo cenário de rpg, embora seja uma "salada de frutas", com elementos vindos de tudo quanto é canto.

Como podem ver, não é um jogo bonito.

Agora, saindo de jogabilidade, e indo pra parte menos interessante. Dominions é um jogo pesado e feio. embora rode em qualquer máquina hoje em dia, e tenha um visual de jogo de MS DOS, exige toda a atençao da máquina justamente por causa de todas essas variáveis malucas. Mesmo quando se opta por não ver um combate, com o tempo o jogo fica lerdo, e pode ser bom se restringir a mapas pequenos, a não ser que sua máquina seja muito boa. O que é uma pena, já que ele parece ter sido feito para pcs mais antigos.

Dominions pode ser encomendado direto do fabricante, que disponibiliza ele por download ou em forma física. O jogo custa 57,95 dólares. A Shrapnel é uma empresa pequena, e surpreende uma equipe pequena e com poucos recursos lançar um jogo tão complexo,  e que ganhou vários prêmios em 2006, quando foi lançado. Quem estiver interessado em jogar, posso marcar um jogo via e-mail, já que os turnos demoram mais do que ver tinta secar.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Temo que Man of Steel destrua a essência do Super Homem

Bem, mais um poster de Man of Steel foi divulgado na San Diego Comic-Con (que eu to cobrindo com atraso), e minhas impressões ruins sobre a roupa do Super homem no filme de Zack Snyder não foram alteradas. Focando apenas no peito do Homem-de-Aço, esse poster me deixou uma sensação... não sei, opressiva, com todo o detalhe de "escamas" da roupa, e seus tons escuros. A impressão inicial definitivamente não é "esse é o peito de um herói". Não ajuda que a roupa parece mais "azul quase preto com bordô" do que azul e vermelho.

Se o poster e as imagens que já foram divulgadas do filme forem um indicador do "tom" de Man of Steel, lamento que isso indique que o filme será - ao menos como adaptação - um completo fracasso. Tudo parece estar voltado para um filme sombrio e talvez até cínico, indicando que o projeto está seguindo na direção que a Warner quer: mais parecido com a trilogia do Batman dirigida pelo Christopher Nolan.



E não me levem a mal: os filmes do Nolan são excelentes, mas isso é porque o Cavaleiro das Trevas se empresta bem para esse tom mais "pesado", coisa que o Super Homem definitivamente não faz. Batman é um exemplo cabal de anti-herói, enquanto o Super Homem é para ser o ícone, o paragono, o ideal: não é um personagem que tem lugar em seu mito para ser "moralmente ambíguo" ou "sombrio", e tentar forçar essas coisas nele é descartar a essência do herói.

Talvez eu esteja entre a minoria que gosta do Super Homem como um ideal, e que não deseja uma tentativa de torna-lo "badass" ou "polêmico". No começo desta semana, o site Av club publicou um artigo de Todd Van Der Weff em defesa do "escoteiro" da DC. No meu ver, o que Man of Steel deveria fazer é ressaltar o papel do Super Homem como um ideal, algo a ser almejado. Sim, ele é "certinho demais" e "perfeito demais". Mas isso é porque como mito, seu papel é sempre nos lembrar de que nós podemos e devemos ser mais. Torna-lo "sombrio" e "ambíguo" acaba totalmente com sua natureza.

Man of Steel pode até ser um filme bom - e não duvido que o seja - mas se o material até agora demonstrado for um indicativo, não será um bom filme do Super Homem. O que eu espero é algo como o Capitão América: O Primeiro Vingador - que estabeleceu o personagem de Steve Rogers brilhantemente em uma fala: "eu não quero matar ninguém, só não gosto de valentões, não importa de que lado". Um lembrete de fazer a coisa certa, e não o que apenas parece certo. De certa maneira, se O Batman é o herói que Gotham - e talvez o mundo, com todas as suas falhas, absurdos e podres - merece, o Super Homem é o herói que o mundo precisa. Alguém melhor, alguém ideal. E que Snyder não destrua isso, por favor.

Dark Knight Rises receberá PlayArts Kai? OH BOY!

Enquanto a linha "principal" de brinquedos do Dark Knight Rises parece ser uma das piores já lançadas - repetindo e ampliando todos os erros da linha do Lanterna Verde, com acessórios desconexos, articulação quase inexistente e mais de nove mil Batmans -, os fãs do morcego tem uma boa notícia no stand da Square Enix da San Diego Comic Con: os protótipos para os lançamentos da linha PlayArts Kai do Batman e do Bane, junto com o "lembrete" de que a Mulher Gato está em desenvolvimento.

Por ora são apenas protótipos, e a empresa fez questão de frisar que ainda aguarda a confirmação da Warner para o lançamento. Mas já é confortante ver que o filme vai ter algum colecionável digo de apreciação, ao invés dos fiascos lançados pela Mattel. Por ora, o boneco do Batman deve vir acompanhado de alguns apetrechos, como batrangues e a arma de gancho, enquanto o Bane não foi demonstrado com nenhum acessório.

Resta ainda ver como os bonecos vão ficar prontos, pois os modelos exibidos na Comic Con ainda estão sem cores, e certamente estão sujeitos a mudanças antes do lançamento, mas os sculpts estão fantásticos, e a menos que sejam feitos cortes extremos - coisa rara na linha PlayArts Kai - o resultado não deve decepcionar. Estou no aguardo!



domingo, 15 de julho de 2012

Crítica: Duna (1984)

Como todo mundo já deve ter notado, o fato de um livro ser bom não infere automaticamente que as adaptações também o serão, e a ficção científica tem o maior registro de "adaptações cagadas" dentre todos os gêneros literários. (Eu, Robô? Starship Troopers? Dagon? A Sound of Thunder? Alguém?). Enquanto escrevo, Roland Emmerich - o rei do filme catástrofe - está preparando a certamente desastrosa adaptação aos cinemas da trilogia Fundação, e correm as filmagens do polêmico Ender's Game (que francamente espero que não seja mutilado pela adaptação). 

 Mas não estou aqui para falar do "geral", e sim de um caso muito lamentável: a adaptação pífia de Duna pelo produtor italiano Dino deLaurentis e o diretor cult David Lynch Alan Smithee, em 1984. E este não é um dos casos em que a falha está na falta de fidelidade: Se qualquer coisa, Duna tenta ao máximo ser fiel ao épico de Frank Herbert. O problema é justamente este: tentar comprimir um livro grande e muito complicado em um único filme - e sem introduzir o velho "como você sabe" para explicar elementos de cenário que no livro são dados na narração ou no glossário.


Em si, Duna não é um filme ruim: só é confuso e longo demais no caso das versões estendidas, e comprimido demais no corte original. Também é de maneira alguma um filme bom. Talvez a definição correta seja dolorosamente falho. A versão mais "completa" do filme se arrasta por duas horas e 54 minutos - o grande problema? As primeiras duas horas mal conseguem cobrir o primeiro terço do livro, forçando todo o resto a ser "espremido" em apenas uma hora de filme. E devido a complexidade do universo de Duna, o filme é constantemente interrompido por narrações para tentar explicar certas coisas, sem muito sucesso. 

Se qualquer coisa, Duna é a prova de que excesso de fidelidade é um problema tão grande quanto excesso de liberdades criativas - não apenas está preso a narrativa do livro de uma maneira até opressiva, mas em um sinal de falta de capacidade para adaptações, David Lynch Smithee parece atado a própria forma do livro. Cenas inteiras parecem copiadas linha a linha do livro, e a narração constante não é apenas maçante, mas também totalmente desnecessária. A abertura do filme gasta dez minutos para estabelecer o que é dito em apenas dois minutos do primeiro diálogo da trama. Junte isso a narrações do que está acontecendo, pensamentos óbvios dos personagens, flashbacks desnecessários, e o que se tem não é linguagem própria de cinema. Uma das poucas cenas em que foi tomada liberdade de adicionar coisas "fora do livro" é estranha demais para palavras. Digamos apenas que envolve um gato amarrado num rato, e fiquemos por isso.

O que é isso? Um navegador de terceiro estágio. O que é
um navegador de terceiro estágio? LEIA O LIVRO (e descubra
que não existem "estágios")
O universo de Duna é intricado, complexo e muito bem definido nos livros - enquanto isso, o filme não dá explicações de quase nada, e quando as dá, são incompletas, e oferecidas na sempre tediosa narração. Não há nenhuma explicação no filme do que é "normal" ou o que não é para o cenário, do que são Mentats ou Bene Gesserit, qual é a dos navegadores, ou a importância da especiaria ou sua ligação com os vermes, fora uma narração que existe apenas nas versões estendidas, e no caso da especiaria, uma conversa no começo do filme. 

E como um amigo meu colocou de maneira muito eloquente, Duna é a prova de que um elenco de atores bons não infere em um filme bom. Nomes como Patrick Stewart, Max von Sydow e Linda Hunt não fazem nada para salvar o desastre moroso que é a obra de David Lynch Alan Smithee, e a atuação oscilante de Kyle Maclachlan (no papel principal) junto com a canastrice constante de todos os Harkonnen - especialmente do músico Sting como Feyd Rautha - retira qualquer benefício ganho com o resto do elenco. Para não mencionar casos como Freddie Jones "murmurando" metade das suas falas, ou a decepção maior que é Patrick Stewart berrando constantemente.
Outras, é tudo azul e cinza.

As vezes é tudo marrom.
Nem visualmente Duna se justifica, com "defeitos especiais" - os escudos são o melhor exemplo, em uma cena até sobrepostos a parte errada do enquadramento - projeções de fundo mal feitas, cenários "pintados" e mais de uma vez usando de pinturas no lugar de algum enquadramento real. Uma pena, pois os conceitos por trás dos cenários e dos figurinos são bons, sobras de uma tentativa frustrada de levar Duna as telas, com arte do genial H.R. Giger, mas o resultado... Particularmente gritante são todas as cenas envolvendo os vermes da areia: quando é apenas o verme em cena, fica até bem, mas quando envolve qualquer outra coisa, o resultado é horrendo. A falta de contraste não faz nada para melhorar a situação, e mais de uma cena envolve caras vestidos de preto e marrom num fundo marrom atirando em caras vestidos de preto e marrom num fundo marrom - e reaproveitando as mesmas poucas cenas. 

Em suma: Duna consegue ser pior do que a Minissérie do Sci-Fi Channel, produzida em 2001.  E é simplesmente algo vergonhoso ser superado pelo atual SyFy. Com base em um clássico do gênero, um diretor de renome, e vários atores bons, Duna tinha tudo para ser um sucesso, mas resultou em um construto megalomaníaco, tedioso e incompreensível - tudo o que não poderia ser. 




quinta-feira, 12 de julho de 2012

Preconceito: Nerds e Misoginia

Não deve ser novidade para a maioria de vocês a infeliz abundância de comentários e atitudes preconceituosas, excludentes e intolerantes dentro do meio nerd. Desde o desdém exagerado pelos fãs de certas obras literárias, séries, jogos ou filmes, até formas mais "mainstream" de preconceito, como coletivo os nerds são notórios pelo preconceito. E de forma até contraditória, vendo que esse é um grupo que é frequentemente discriminado.

Mas nenhuma forma de preconceito é mais palpável entre os nerds do que a "boa" e velha misoginia. E depois se perguntam o porque de tão poucas "garotas nerds". Desde coisas pequenas como o desdém aberto a qualquer "gamer chick" e a ideia de que uma mulher não pode ser nerd se for minimamente sociável, até o abuso do conceito de estupro, o linguajar nerd acaba transbordando de ódio pelo sexo feminino.

Expressões como "Tits or GTFO", "Go make me a Sandwich" e "Back to the Kitchen" não são "piadas inocentes", assim como a abundância de personagens femininas que se resumem a "peitos e bundas ambulantes" ou "um macho com tetas" não é de forma alguma inclusiva. Estupro e outras formas de violência sexual são tratadas com banalidade. E na hora dos insultos? Quando o interlocutor é homem, o mais comum é se atacar a capacidade intelectual, ou a masculinidade (em si já um problema). Mas quando se trata de uma mulher? O ataque padrão é acusar de ser "uma vadia".

Para que não achem que estou inventando coisas, tenho abaixo três casos importantes - apenas alguns dentre tantos milhares diariamente. Devido ao meu "sumiço", nenhum desses casos é exatamente recente, mas são todos emblemáticos - e não tão extremos quanto possam parecer.


Primeiro, um caso que a maioria já deve estar bem familiarizado: A não tão súbita demissão de Noah Antwiler/ TheSpoonyOne do Channel Awesome/ThatGuyWithTheGlassses. Embora o caso em si tenha apenas sido deflagrado pelo notório sexismo do Spoony, com a piada de extremo mal gosto acima, dirigida a uma colega de trabalho, Hope Chapman, o que me levanta este caso neste sentido é a reação da fanbase do reviewer. 

Spoony foi demitido/se demitiu após um verdadeiro piti no Twitter, como resposta a um artigo da também integrante do Channel Awesome, Obscurus Lupa (Allison Pregler). A reação do Spoony em si já foi péssima: xingando a tudo e a todos, e acusando Pregler de ser uma "vadia". Mas a fanbase dele foi pior: segundo alguns fãs no forum SpaceBattles, isso foi parte de um plano maléfico dela junto a ex-namorada do Spoony, Scarlet, e a diretora de RH do CA, Holly, para se livrar dele "porque é isso que vadias fazem quando os homens estão longe". Desnecessário notar: As três receberam ameaças de estupro, e Holly foi acusada de "prestar favores sexuais" ao fundador do CA, Doug Walker, porque "essa é única coisa para a qual vocês prestam". Mas os caras que falaram essas coisas juram de pés juntos que não são sexistas!

E embora Spoony tenha o seu site próprio, que não foi afetado em nada pela demissão, e garanta que a "vagabunda" não tenha nada a ver com a demissão dele, fãs do colherento continuam a atacar Pregler. Me surpreende que Chapman não tenha sido bombardeada com insultos e ameaças de estupro. 


O segundo caso - e no meu ver mais gritante - foi o da blogueira Anita Sarkeesian, do site Feminist Frequency:  depois de iniciar um kickstarter para a produção de uma série de documentários da série Tropes vs Women, analisando certos clichês e figuras narrativas comuns, desta vez em videogames, Sarkeesian se viu alvo de um bombardeio constante.

Ameaças de estupro via e-mail, via telefone, até via correio - páginas vandalizadas, comentários ofensivos diariamente, e tudo isso não como resposta ao que ela disse, mas porque ela iria falar sobre sexismo dentro da indústria de games. Não foram poucos os comentários, posts e vídeos - alguns bem longos - afirmando categoricamente que ela não tinha nada a falar porque "games não eram lugar pra mulheres" e que ela não passava de uma "sapata vagabunda".

A mensagem desses ataques é bem clara: mulheres, fiquem caladas, aceitem que para a indústria vocês são só pedaços de carne, e se quiserem se expressar, que o façam num cosplay borderline erótico. Nada de opiniões ou querer respeito!

Felizmente, esse caso específico não ficou perdido apenas em meio a comunidade nerd, e foi coberto pesadamente por colunistas e blogueiros de vários setores da mídia. Além disso, o ataque constante foi "positivamente não produtivo": além de Sarkeesian não se acovardar perante a investida machista contra ela, mas o ataque atraiu publicidade e apoio ao projeto, e o que seria uma série pequena por apenas U$ 5,000, agora arrecadou mais de U$ 150 mil.


O caso final é este cara: o britânico James "Grim" Desborough, um autor de livros de RPG que recentemente publicou um artigo intitulado "Em defesa do estupro". Embora não seja algo tão ruim quanto o título faz parecer, ainda é uma defesa feroz da ideia de que "mais jogos precisam envolver estupro" e que "estupro é um elemento de trama fantástico" que precisa "deixar de ser visto como algo ruim".

Ninguém ficou muito impressionado com o artigo de Desborough, e a usuária do fórum da RPG.Net, MalaDicta tentou organizar uma petição para que as editoras deixassem de publicar o material do inglês. E foi ai que a bomba de fato explodiu.

A maior parte dos usuários da RPG.net estavam de acordo com boicotar Desborough, e concordavam que boa parte do material do dito-cujo era absurdo - entre eles, um jogo de cartas em que o objetivo é cometer mais estupros, e um suplemento de D&D com centenas de magias e itens mágicos voltados para facilitar, adivinhem só... estupros!

Porém, para alguns, e para uma horda de fãs do "macabro", quem reclamou precisava "crescer espinha" e "estupro não era nada demais". O resultado deve estar bem claro por essa hora: MalaDicta foi alvo de ameaças de estupro via e-mail, no telefone do trabalho, na casa dos pais, e até pelos correios, e após uma amiga dela ter sido quase violentada, decidiu retirar a petição, para que os ataques parassem - e não pararam.

A pior parte é que Desborough saiu dessa história até o momento querendo fazer o papel de vítima, alegando não ser nada misógino - só vítima de um bando de "vagabundas sem espinha" que não entendem como estupro é legal e precisamos de mais rpgs sobre isso!

A questão é que isso não é legal, de maneira alguma. E da mesma maneira, não é algo que se trate, como alguns dos fanboys do Spoony, do Desborough, e alguns dos agressores da Anita Sarkeesian sugeriram, algo que "se leve na brincadeira". Ainda mais quando são pessoas que ao mesmo tempo que dizem que "não há misoginia na web" e "os homens sim é que são discriminados", ameaçam estuprar repetidas vezes uma blogueira por dizer o que ela pensa.

Se alguém quiser dividir suas histórias sobre misoginia, ou quiser fazer aquilo que já espero: me atacar, sinta se a vontade.

domingo, 17 de junho de 2012

Crítica: Prometheus

 Depois de 30 anos fazendo dramas históricos, Ridley Scott finalmente retornou ao gênero que lhe alçou ao sucesso, finalmente trazendo algo novo para a Ficção Científica e seu híbrido com o horror na franquia Alien. Mas infelizmente, o afastamento da FC parece ter sido longo demais. Prometheus deveria ser um retorno glorioso ao universo criado em 1979 junto com o artista suiço H.R. Giger, mas o que Scott entregou após anos de espera é apenas uma casca vazia do original, uma crisálida deixada para trás - uma belíssima crisálida, mas ainda assim oca e abandonada.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Crítica: JCVD

Existem certos atores dos quais é inviável esperar um trabalho de qualidade. Encabeçando essa categoria certamente estão os astros do cinema de ação dos anos 80, como Steven Seagal, Dolph Lundgren, e o eterno Jean Claude Van Damme. Imaginem então um drama estrelado por este último. Não parece algo com muitas chances de ser bom, ou sequer "assistível", mas JCVD (Bélgica, 2008) demonstra como Van Damme só precisa do roteiro certo e distanciamento da pancadaria para revelar-se um grande ator - ou talvez o filme seja tão bom por ele não estar atuando.

Em JCVD, Van Damme vive uma versão ficcional, mas nem tanto, de si mesmo. Um ator acabado, que não consegue papéis decentes, afundado em dívidas e perdido no meio do processo de custódia da filha, e que retorna a sua cidade natal de Bruxelas para "por sua vida em ordem". A situação parece estar no fundo do poço, e só piora quando Van Damme se vê no centro de um assalto a um posto do correio enquanto tenta fazer uma pequena transferência para pagar o seu advogado.

Em um filme normal do "músculo de Bruxelas", a situação seria resolvida na base de socos e pontapés, e Van Damme sairia do assalto um herói. Não aqui, onde sob a direção do franco-tunisiano Mabrouk El Mechri a situação se torna uma maneira perfeita de expor a diferença entre o Van Damme "astro" dos anos 80, e a figura patética que o verdadeiro ator se tornou. O que ocorre é ele pateticamente tentando resolver a situação, enquanto atua como negociador para os criminosos - e é visto pela polícia como sendo o líder dos assaltantes. Mas nada demonstra mais o quanto o "astro" e o "ator" são diferentes quanto a cotovelada patética, dada no lugar da elaborada sequência de chutes planejada na cabeça de Van Damme, quando a oportunidade de "ser o herói" finalmente surge.

O roteiro de El Mechri e Frédéríc Bénudis deu espaço para que o antigo astro de ação barata fizesse uma atuação comovente - e dolorosa - sobre sua própria decadência, e sobre como Hollywood e o culto ao sucesso destroem vidas. Em um toque audaz que só se vê no cinema europeu, o filme se interrompe no auge da ação para um monólogo  de sete minutos que viola completamente qualquer ilusão de realidade da situação. Um monólogo direto do protagonista para o espectador, em que Van Damme expõe todos os seus fracassos e dificuldades profissionais e pessoais, dos múltiplos casamentos até a luta contra as drogas, com um grau imenso de sinceridade.

JCVD foi indicado a Palma de Ouro - algo que nunca se esperava de um filme do Van Damme - e talvez seja o único filme legitimamente bom na carreira do "Grande Dragão Branco". Não é difícil de achar nas locadoras. Isso deveria ter sido um retorno comovente para o ex-super star, mas infelizmente Jean Claude já retornou aos filmes de ação baratos. Uma lástima.



segunda-feira, 4 de junho de 2012

500 Miles, pela equipe de Doctor Who

Para quem, como eu, adora Doctor Who, um vídeo simplesmente adorável da equipe das séries 2 à 4 de Doctor Who dançando I would walk 500 Miles. Destaque para o Ood Sigma dançando. Cortesia da Cindy, do blog Disk Chocolate (link na caixa de links do blog! Vão lá, agora!).

E agora fiquei com mais vontade de ver os episódios do 3º e do 4º doutor....

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Crítica: Branca de Neve e o Caçador


Tem filmes que seriam melhores com outro título e com algumas pequenas alterações no roteiro. Obras que se propõe como adaptações ou releituras, mas que tomam tantas "liberdades criativas" que se tornam merecedoras de um nome completamente novo, e este é definitivamente o caso de "Branca de Neve e o Caçador". Embora seja um filme de fantasia sólido, e não "violente" o material de origem como certos outros filmes fizeram, é fato que o resultado é muitíssimo diferente do conto de fadas dos irmãos Grimm ou do clássico da Disney. Não precisamente em trama - que se manteve essencialmente a mesma - mas em tom. Coisa similar ocorreu com Beowulf, também um bom filme, mas péssima adaptação do texto mais antigo da língua inglesa.


Não que seja exatamente um comportamento novo de Hollywood tomar apenas a base de uma história, descartando os elementos marcantes de outras leituras. Afinal, Sherlock Holmes é um exemplo claro de como isso pode dar muito certo, embora "Branca de Neve e o Caçador" não tenha tanta sorte assim, e termina sendo uma versão fraca do que se propõe, mesmo sendo forte quando ignora-se o fato de ser uma adaptação.

Os problemas começam pela protagonista: não apenas Branca de Neve tem poucas falas, mas a atuação inexpressiva de Kirsten Stewart torna difícil manter interesse pela heroína, ainda mais quando Charlize Theron está "deliciosamente canastrona" como a Rainha Ravenna. Não ajuda a falta de profundidade da heroína. Enquanto o Caçador (Chris Hemsworth, vulgo Thor) recebe uma profundidade que nunca teve antes (se resumindo a não matar a princesa e levar um coração de cervo ao invés do dela), Branca é boa e pura e é a vida, e mais nada.

Se o filme talvez peque pelas liberdades criativas, como fazer da Branca de Neve quase uma metáfora para Joanna D'Arc, terminar o filme em uma batalha definitivamente épica, e adicionar um oitavo anão (embora o conto original fosse um número indefinido de anões), "Branca de Neve e o Caçador" se salva pela beleza visual. O roteiro de fato é fraco, confuso até, e as atuações poderiam ser melhores, mas as tomadas impressionantes de câmera, a maneira como o filme "traz a vida" cenários e criaturas fantásticas, e as referências a filmes de fato primorosos de fantasia em si já fazem valer o ingresso. Quem assistiu "História sem Fim" ou "Princesa Mononoke" certamente vai reconhecer algumas cenas. E o filme tem um bom equilíbrio entre o "real" e o "fantástico", coisa que Hollywood parece estar ficando cada vez melhor em manter.

O problema é o quão marcado na consciência coletiva a versão da Disney está - e pudera, não apenas foi o primeiro longa em animação, mas mesmo ignorando a importância histórica, é em si um trabalho de mestre. Coisa que esta leitura do clássico dos irmãos Grimm está longe de ser. E é claro, a tentativa de passar Kirsten Stewart como sendo mais bela do que Charlize Theron é quase uma piada. Pode não ser um bom "Branca de Neve", mas é certamente um bom filme de fantasia.