quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Circulo de fogo copiou, mas não de Evangelion

O tempo passa, a indústria de filmes de quadrinhos só aumenta, a FC audiovisual tem um ressurgimento impressionante e uma coisa permanece desde 2012: a ideia de que o filme Pacific Rim (Círculo de Fogo no Brasil) seja um plágio de Neon Genesis Evangelion. Vamos por partes. Não, Pacific Rim não é “100% original”, nem nunca teve a pretensão de ser. Mas não há nada de Evangelion nele.

Antes de tudo, Pacific Rim (que em 2016 deveria lançar sua sequência, Maelstrom) é uma gigantesca carta de amor à um gênero que já cobri anteriormente - os super robôs - e ao seu “irmão mais velho”, os filmes de monstros gigantes (de onde o filme tirou o nome para os seus monstrengos, Kaiju). É um pastiche de obras muito mais velhas do que Evangelion, de 1996 - e das quais Eva é também um pastiche. E é importante lembrar: pastiche não é plágio. É seguir o mesmo molde, sem satirizá-lo ou desconstruí-lo. Um molde que vem sendo usado, neste caso, desde 1956.

E antes que digam que Eva é uma desconstrução do Super Robô: Evangelion não foi pensado como tal, ele se tornou isso por circunstâncias de sua produção. Anno é bem claro quanto ao que ele queria fazer: devolver o gênero as suas raízes. É inegável que Anno fez uma excelente desconstrução do gênero que ao mesmo tempo era uma reconstrução. Mas o nome dessa desconstrução e reconstrução do gênero é Top wo Nerae: Gunbuster.


GIANT ROBO

Comecemos do princípio: Pacific Rim tem por definição inspiração em duas obras clássicas de Mitsuteru Yokoyama, os mangás (posteriormente animados) Tetsujin-28-go e Giant Robo. Digo por definição por estes dois serem as bases do gênero. Publicados em 1956 e 1964, respectivamente, as duas séries de Yokoyama estabeleceram vários dos elementos centrais de super robôs. Aqui estavam o moderno Colossus, fruto da engenhosidade humana, como a única salvação contra ameaças além das forças mortais.

No entanto, essas duas obras (assim como muitas outras de Yokoyama) e Embaixador Magma, de Osamu Tezuka, são apenas a base da qual o gênero bebeu fartamente. Nessa base primitiva, os robôs gigantes eram controlados remotamente, seus inimigos raramente um páreo - quando não retirados diretamente dos filmes de monstros gigantes.

É seguro dizer que essas obras fizeram parte da criação de Pacific Rim, se não explicitamente, ao menos implicitamente. Da mesma maneira que fizeram parte da criação de Evangelion (e Eva bebeu com mais força de Giant Robo do que Pacific Rim: difícil não ver paralelos entre a maligna e sigilosa organização Big Fire, o similar conselho vago de vagosidade de Mars, e os conspiradores da Seele na obra de Hideaki Anno).
Fato curioso: nenhum dos membros
da Big Fire no OVA de Robô gigante
faz parte dela no Mangá - ou sequer
estava no mangá. 

MAZINGER Z
ROKETO! PAAAAANCHI!
Enquanto dos super robôs primevos (ou “da era de ouro” dos super robôs) o filme de Guillermo Del Toro sorveu-se apenas da essência, da obra seminal de Go Nagai a influência é muito mais visível. Mazinger Z, de 1972, é a obra que definiu o Super Robô. Do robô pilotado até os ataques especiais, tudo se origina no mangá que Nagai escreveu como forma de descarregar o stress da produção de Devilman.

A influência de Mazinger Z é visível particularmente no robô principal do filme, Gypsy Danger. A arma básica do Mazinger é o Rocket Punch  - um punho disparado por foguete - e Gypsy Danger conta com foguetes nos cotovelos (que infelizmente não disparam o punho como um míssil).

Os robôs de Mazinger Z eram controlados por pequenas naves que ocupavam o espaço do cérebro, os pilders - por sua vez, a cabeça da Gypsy Danger, munida dos pilotos, é disparada via foguete para unir-se ao corpo. O que muitos viram como referência aos entry plugs de Evangelion é na verdade a releitura “mais realista” dos pilders. E que lembra com mais intensidade os soldados parafuso de Gunnm do que os cilindros de entrada de Evangelion.

Por sinal, é de Mazinger Z que vem a conexão mental entre os pilotos e seus robôs, vista em ambas as obras. Ou melhor, é Mazinger Z que aplica isto em uma série de robôs. Na série de Nagai, Kabuto Kouji literalmente serve como o cérebro do Mazinger: Kouji sente dor quando o robô é danificado, o robô “ri” junto com ele, seus movimentos servem de base para o mecanóide, e qualquer distração pode fazê-lo perder o controle.  

BURESUTO FAIYA!!
Mas a inspiração mais visível de Mazinger em Pacific Rim é no peito de Gypsy Danger e no clímax do filme. O grande compensador de calor no peito do robô, que é utilizado no final do filme para matar o Kaiju de Classe V Slattern? Nada mais nada menos do que uma referência ao compensador em “V” no peito do Mazinger Z, que além de regular a temperatura do seu reator de energia fotônica servia para o seu ataque mais poderoso: Breast Fire.


BAROM ONE E COMBATTLER V

Barom 1: duas mentes em um.
Uma das coisas mais marcantes de Pacific Rim é o “Drift”, a maneira como as mentes de dois pilotos (ou três, no caso do Jaeger chinês Crimson Typhoon) se unem para comandar o gigante mecânico. Graças a cena em que Mako Mori perde o controle da Gypsy Danger, se enfiou na cabeça a ideia de que isso foi copiado de Evangelion - quando não há nada similar em EVA.

Mas de onde isso vem então? A resposta é Golgo 13 Choujin Barom 1, de Takao Saito. Publicada na Weekly Bokura Magazine em 1970, a história tratava de dois jovens, o atlético Takeshi e o nerd Kentaro que são escolhidos para enfrentar as forças do maligno Doruge se fundindo no super humano Barom 1. A fusão dos dois dependia de sincronizar os seus pensamentos e caso eles saíssem de sincronia o herói era incapaz de agir. A série foi homenageada em Kamen Rider Double (onde o herói é composto pelo detetive particular Shotaro e por seu assistente, o psíquico Phillip) e pode ter sido uma das inspirações por trás do clássico cult Genocyber, do incorrigível e ultra violento Koichi Ohata.

Combattler V: caso os pilotos não pensassem em conjunto,
o robô se desfaria. 
A ideia migrou para os robôs gigantes com Combattler V, de Tadao Nagahama (a série também foi a primeira a ter um robô formado por cinco veículos que se combinavam, estabelecendo o padrão posteriormente adotado por Super Sentai - incluindo o fato de nenhum dos veículos parecer qualquer coisa que não “um pedaço de um robô”). Na série de 1975, para viabilizar a combinação no robô super-eletro-magnético, era necessário que os pensamentos dos cinco pilotos estivessem em sincronia plena e caso algum deles saísse da conexão, a combinação falharia (ou seria desfeita).

A noção de “conexões neurais” cerca o gênero, e a forma específica que Pacific Rim as usa é muito comum. Está presente também nos robôs (não pilotados) de Gao Gai Gar, que dependem de sua “Sympa Rate” para combinar; no gigantesco S.R.X. de Super Robot Wars, mantido pelos poderes psíquicos de dois dos seus pilotos; e até nos combiners de Transfomers, Super Sentai e tantas outras séries.


GETTER ROBOT

A cena mais homenageada na história dos
robôs gigantes - há cenas parecidas
em Mazinger Z, mas não com o
mesmo tom.
As similaridades entre Pacific Rim e o clássico de Ken Ishikawa são superficiais, mas merecem nota. No filme de Guillermo del Toro, os monstros gigantes são ao fim revelados como armas biológicas de uma civilização alienígena e os Kaijus em si são ou responsáveis pela extinção dos dinossauros, ou eram dinossauros. Os invasores abandonaram a terra então, pois o ambiente não “lhes era adequado”.

Em Getter Robot, o primeiro grupo de vilões, o Império Reptilianóide, se refugiou nas profundezas da Terra quando o planeta se tornou “hostil demais”. Em seu retorno no presente, suas armas são os Mechasaurus, dinossauros dotados de implantes cibernéticos para servirem de armas (e mecanismo de controle). É possível que a referência aos dinossauros seja um homenagem a Getter Robot - ou pode ser só uma coincidência.

O famoso take da passarela ao lado da cabeça do robô, tão atribuído a Evangelion, no entanto, quase certamente vem de Getter Robo, se não for mais velha. (onde o mesmo esquema é usado seis vezes só no primeiro volume). A cena em questão também foi homenageada por Mobile Suit Gundam, todas as séries da "Saga dos Bravos" e praticamente tudo já feito de Robôs gigantes.

GODZILLA

Por último, das fontes claras de Pacific Rim (e das quais Evangelion também bebeu), temos o próprio gênero de filmes de Kaiju e seu representante mais notável, Godzilla/Gojira. Embora o gênero em si não seja japonês (nascendo no cinema com King Kong, em 1933, com histórias do gênero figurando na mitologia mundial), é inegável que o estilo é hoje predominantemente nipônico.

Não é só no nome dado aos monstros que a obra de Del Toro bebe destes filmes: o design de criaturas para Pacific Rim visa parecer ao máximo com algo que poderia ser uma roupa. Todos os Kaiju que aparecem no filme poderiam muito bem estar em um filme da Toho. Em particular, o primeiro monstro enfrentado por Gypsy Danger, o Knifehead, parece uma versão modernizada de Guiron (o monstro mais rídiculo já enfrentado por Gamera). Até os parasitas dos Kaiju (vistos em uma única cena) parecem homenagens ao gênero, lembrando Shockirus, os “carrapatos” do Godzilla em The Return of Godzilla (1985)

A noção de criar um “monstro mecânico” para enfrentar os monstros gigantes não é novidade e serviu de base para todo o gênero de “super robôs” e para o aspecto mais “lúdico” de Super Sentai. Mas nos filmes de monstro, isso começa com o Jet Jaguar, o andróide super poderoso de Godzilla vs Megalon (1973). A franquia teve robôs gigantes mais “tradicionais” na forma do segundo Mechagodzilla (Godzilla vs. Mechagodzilla, 1993) e MOGUERA (em Godzilla vs Spacegodzilla, 1994) e muitos, mas muitos, automatos e ciborgues do mal.

A franquia também teve sua própria leitura dos Evas de Evangelion na forma do Kiryuu/Mecha Godzilla III, de Godzilla against Mechagodzilla (2002) e de Tokyo S.O.S . (2003). Essa releitura do monstro mecânico é um clone do primeiro Godzilla, dotado de armaduras e armas cibernéticas para peitar a versão atual do monstro, e assim como os Evas, está longe de estar sob controle da humanidade.

GODANNAR


Agora, uma série com a qual Pacific Rim de fato se parece, e que tudo indica ser uma coincidência enorme (dado a obscuridade e o quão genérica essa série é - nada nela é “original”, salvo a estética, na qual o filme de Del Toro não é nada similar): Shinkon Gattai Godannar.

Em Godannar, os robôs gigantes são a única esperança contra os Mimesis, monstros de origem desconhecida que emergem do fundo do oceano, a partir de um portal no pacífico. Armas convencionais não são o bastante contra eles. Para enfrentar essa ameaça, bases e robôs foram construídos ao redor do mundo, pilotados por duplas (Godannar é, acima de qualquer coisa, sobre relacionamentos e sobre família) e dependendo da capacidade dessas duplas de operarem em conjunto. Nosso protagonista, Saruwatari Go, perde a parceira em combate contra um Mimesis no começo do primeiro episódio, da mesma maneira que Raleigh perde o irmão na primeira cena de Pacific Rim.

Esse é o tipo de coisa que estraga uma série bem escrita. 
Nada disso, no entanto, é uma novidade para o gênero, como já apontado antes. E Godannar se diferencia de Pacific Rim de formas muito... chamativas. Godannar é um caso de boa história arruinada por apelar para fanservice descarado. É uma série composta primariamente por peito&bunda, onde até alguns dos robôs são “gostosonas”.

E aí está. No fim das contas, há uma similaridade real entre as duas séries, além de obviedades do gênero: ambas lidam com organizações voltadas a “cancelar o Apocalipse” (frase dita literalmente pelo personagem de Idris Elba). Mas essa similaridade, além de superficial, é anulada por um fator importante: as duas organizações voltadas a “cancelar o apocalipse” em Evangelion visavam secretamente causá-lo.

Além disso, inúmeras séries de Super Robôs lidam com a mesma questão...

3 comentários:

  1. Nos extras do Blu-ray, Del Toro cita Tetsujin-28 como uma das obras que gostava quando criança.

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    1. Não tinha visto essa. Por outro lado, não tenho Blu-Ray, então complica pra ver. Grato pela informação.

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    2. Parabéns pelo post, muito informativo. Vale para esclarecer toda essa "ira" que Círculo de Fogo é só uma cópia de Eva.

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