domingo, 30 de setembro de 2012

Crítica: Dredd

Voltando a ativa mais uma vez...

Tem algumas ocasiões que filmes se encontram em uma situação paradoxal: não são boas experiências cinematográficas, mas são obras completamente sólidas em todos os aspectos. Só parecem estar no lugar errado, na mídia errada. Dredd é um desses filmes. Embora seja tranquilamente bem sucedido como adaptação, mantendo o humor negro e a pesada sátira ao autoritarismo dos quadrinhos ingleses - como apenas os britânicos conseguem - e seja uma boa peça de entretenimento para quem não se incomoda com violência bem pontuada, Dredd simplesmente parece... deslocado nos cinemas. 

Dentro da obsessão hollywoodiana com épicos e "salvar o mundo" em absolutamente todo filme de ação, a produção de apenas US$ 45 milhões fica fora do seu ambiente com sua trama restrita ao que é uma batida em cima do narcotráfico. A falta de drama pessoal ao protagonista, o Juiz Dredd (Karl Urban, no cumulo da interpretação facial) e o foco mais no "rito de iniciação" da Juiza Anderson (Olivia Thirlby, adorável demais para esse cenário) parecem mais apropriados para o piloto de uma série de TV do que um filme de fato - ao menos hoje em dia. 

Infelizmente, essa não é única maneira em que Dredd parece "off" no cinema contemporâneo, e a desconexão com os padrões do mercado explicam o fracasso do filme, que rendeu apenas US$ 17,8 milhões - matando qualquer chance de uma sequência. Enquanto o público moderno exige filmes muito bem "explicadinhos", Dredd segue o mesmo padrão dos quadrinhos: estabelece o cenário - Megacity One, uma gigantesca cidade de 800 milhões de habitantes cobrindo toda a costa leste dos EUA, após uma guerra nuclear, onde a segurança publica cabe aos Juízes, policiais que atuam como jurí, juiz e executor - em poucas linhas, e parte logo para a história. A primeira vista, pode parecer uma obra apenas para os iniciados nos quadrinhos de 2000 A.D. - mas este é o padrão narrativo no material de origem. Também direto dos quadrinhos vem os comentários secos do anti-herói, soturno, mas capaz de pitadas do mais extremo humor negro. 

A trama é simples, e não estaria de maneira alguma fora de lugar nos quadrinhos - e nem em um episódio de uma hipotética série de Judge Dredd: Dredd, o melhor dentre os Juízes leva a novata Anderson - reprovada para a função pelas notas, mas julgada "util" por ter poderes telepáticos - para a "prova final", lidando com uma situação real quando três gangbangers são esfolados e atirados do 50º andar de um megacondomínio. A situação passa de um crime de rotina para algo mais grave quando a dupla percebe que a líder da gangue local, Ma-Ma (Lena Headley) está disposta a matar o condomínio inteiro para impedir que o autor dos assassinatos seja levado para interrogatório. Em ponto algum o filme gasta tempo para estabelecer o passado de Dredd, e agradavelmente evita o erro gravíssimo do outro filme do anti-herói: mostrar ele sem o capacete. 

São os detalhes que importam no conjunto que é Dredd - enquanto a violência extrema do filme pode parecer mais um caso de banalização e de "gorn", como nos quadrinhos a reação casual dos cidadãos de MegaCity One a brutalidade dos juízes e das gangues é o verdadeiro sentido da violência: criticar justamente a banalidade da mesma. MegaCity é um reflexo da realidade contemporânea, onde se ignora a violência da polícia, e se age como se a criminalidade fosse apenas um "fato da vida", lidado com mais violência. Tanto no filme quanto nos quadrinhos, Dredd não defende a ideia de uma polícia que sirva apenas para "matar bandido", e sim escancara o tipo de sociedade que essa atitude resulta. 

E quando digo violência extrema, digo comparável ao Robocop de Paul Verhöeven - outra peça que usa de sangue e tripas como maneira de levantar a pergunta de "porque" aceitamos aquilo, e porque tantos desejam uma polícia pronta a mutilar. E isso é reforçado pelo trabalho ótimo de câmera e os efeitos especiais, caso único de câmera lenta plenamente justificada - pela droga Slo-Mo, usada pelos viciados do complexo Peach Trees- e que não atrapalha em nada nas cenas de ação. A variedade de munições dos Juízes também dão chances absurdas para a violências (Hotshot, alguém?).

Embora não tenha uma reprodução perfeita dos figurinos das HQs (ao contrário da outra tentativa de levar Judge Dredd aos cinemas, com Sylvester Stallone, e que não mencionarei mais), Dredd é fiel à estética de 2000 A.D., e escapa de uma das mais comuns armadilhas de filmes modernos. Enquanto o cinema de ação e suspense hoje em dia parece obcecado com tomadas mal iluminadas e cenas noturnas, Dredd se passa quase todo durante o dia, com cenas bem iluminadas, e que mesmo assim não enfraquecem a tensão da trama. Se qualquer coisa, reforçam o clima opressivo, onde a violência, tanto pelo crime quanto pelo estado, não se restringe a escuridão.

Como filme isolado, Dredd é uma obra de qualidade - não é nenhuma obra prima, e peca pela trama talvez simples demais. Mas como adaptação de quadrinhos merece parabéns. Embora não seja o melhor filme de quadrinhos, é tranquilamente uma das mais fiéis adaptações, só perdendo para 300 e Sin City - e apenas por que estes são cópias diretas das Graphic Novels. Traduções, e não adaptações, assim por dizer.