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domingo, 15 de maio de 2016

Robôs gigantes e paradigmas culturais, uma leitura breve.

Sym bionic Titan: uma carta de amor ocidental ao
jeito japonês de fazer robôs gigantes. 
Sim, cá estou eu novamente falando sobre robôs gigantes. Depois de falar das ligações do gênero com o Horror, com a literatura Ruritânia e com a literatura de Guerra, agora a abordagem é outra: como a indústria cultural americana e japonesa lidam com esse conceito - e a acreditem, as diferenças são tão intensas quanto entre a noite e o dia.

Então para melhor entendermos quanto as obras de robôs gigantes dos dois lados diferem, vamos aprender um pouquinho sobre como cada lado do globo lida com o gênero, e aí ver onde que há uma certa mescla entre os dois tratamentos?

quarta-feira, 13 de março de 2013

Oz: Mundano e Razoável

Como um bom prato, um bom filme é mais do que a soma de suas partes, e meramente ter um elenco de ponta, um bom material de origem, efeitos visuais de primeira , uma ótima trilha sonora e um diretor experiente não é garantia de que a receita vá vingar. Não são poucos os filmes que falham apesar de terem todos os ingredientes certos - ou que fazem um total desastre com eles, vide o fiasco que havia sido Duna, de David Lynch - e Oz, Mágico e Poderoso é mais um dos casos em que a receita falhou em algum ponto.

Baseado em vários fragmentos dos livros de L. Frank Baum, "Oz" propõe-se a servir como um prequel tanto para os livros de Oz quanto para o clássico filme de 1935 - uma missão ambiciosa, e que ao menos em termos narrativos o filme cumpre. Mas é nessa proposta que o problema começa... Em primeiro lugar, Oz quer ser um backstory de um filme que é considerado como um dos melhores já feitos - e fica muito aquém de seu antecessor. Em segundo, sendo baseado em fragmentos de livros de um cenário já muito expandido, não é de se admirar que hajam contradições entre Oz e a outra obra que se diz o prequel de "O Mágico de Oz" : Wicked, o musical.

Mas não é realmente nesse aspecto que Oz fracassa. Não, o fracasso está na maior bola de idiota já confeccionada na história do cinema... Não é preciso ser um gênio para notar que Evanora, a personagem de Rachel Weisz, é claramente maligna - e ainda assim ninguém parece notar até que é tarde demais. Se esse detalhe não fosse absolutamente central para a história, e Evanora não fechasse todos os itens da lista do tirano maligno, a ignorância da personagem de Mila Kunis quanto a maldade da irmã seria perdoável - mas aqui, a forçação de barra passa da conta, e temos um filme onde a vontade que dá é imitar o Caetano e lembrar tanto Theodora quanto Oz de como eles são burros. Meio irônico que uma obra cujo cerne é poder bruto (mágico no caso) sendo derrotado por inteligência sofra de alguns dos personagens mais burros dos anos recentes.

Uma pena, porque depois do ponto em que a ficha cai o filme pega ritmo e jeito, e fica novamente bom - não fosse pela abissal atuação de Mila Kunis. Eu entendo que ela está tentando copiar o filme de 1935... mas acontece que isso não deu certo. Vale lembrar que Oz é um filme infantil, e sofre das tipicas atuações exageradas do gênero, mas o trabalho de Kunis devora o cenário demais até para isso.

E perto das sólidas atuações de James Franco, Rachel Weisz e a boa dublagem de Zach Braff (como o macaco mais perturbador já gerado por CGI), a canastrice de Kunis vira uma mancha asquerosa em uma série de atuações agradáveis. Nenhuma digna de prêmios, mas nenhuma ruim - salvo pela notável atuação da pequena Joey King como a garota de porcela e Michelle Williams como a bruxa boa Glinda, marcada por um ar de esperteza maior do que o do protagonista. Ambas muito boas nos seus papéis.

Se o roteiro e a atuação pecam ambos por causa do personagem de Mila Kunis, em termos técnicos "Oz" não tem nada a dever - os cenários são fantásticos porém críveis, com cores vivas raramente vistas em filmes recentes, e de um esplendor sem par. Não sem motivo, parecem um tanto artificiais de maneira a emular os fantásticos cenários pintados do clássico. Junte isso a uma trilha sonora de Danny Elfman, e se a narrativa não agradar, a estética pode até salvar a noite. Mas como muitos filmes em 3d, "Oz" segue a metodologia do "deixe me jogar um barril nele": ao invés de usar o 3d para dar profundidade as cenas como um todo, o filme vive de arremessar/balançar/meter coisas diretamente contra o espectador - e isso além de incomodo e pouco imersivo, também torna a experiência horrível se visto em 2d.



Ainda assim, embora esteja longe de ser um filme legitimamente bom, "Oz" é um filme divertido, e que merece algum destaque por ser um raro caso contemporâneo que não preciso "badassificar" os personagens  - ao contrário de Branca de Neve, por exemplo, o que resultou num razoável filme de fantasia, mas um terrível Branca de Neve - e no qual é possível para os heróis vencerem sem precisar apelar para a violência: como qualquer um familiarizado com o cenário todo de Oz, o "mágico" derrota as bruxas sem tocar um dedo nelas, apenas através de prestidigitação e truques circenses. E essa nova tentativa de contar o passado do "grande" mágico mantém isso. Definitivamente não vale uma entrada inteira no cinema, mas pode valer a meia - ou esperar para ver na TV ou no Netflix.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Ni no Kuni - Impressões

Ni no Kuni oferece o grau de exploração que não se vê
mais em JRPGs.
Quem curte os filmes do estúdio Ghibli e quem curte os jogos da Level 5 já deve estar bem familiarizado com o projeto em conjunto dos dois. Vale a pena? Com certeza. É bom? Há controvérsias. É duradouro? Nem tanto. Ni no Kuni: wrath of the white witch foi muito bem avaliado pela imprensa especializada -  o Kotaku definiu como "Dragon Quest sem todo o bullsh*t", mas ele ainda tem mutas falhas.

Isso vai irritar algumas pessoas, mas sinceramente eu não achei ele um jogo bem feito. Sem  brincadeira, em termos de jogabilidade Ni no Kuni parece juntar todos os pontos fracos do design de jogos da Level 5, só que com menos força: o excesso de dependência em grinding de itens, o sistema desengonçado de combate (que tenta unir os menus típicos de um jogo por turnos com combate em tempo real, sem muito sucesso) que favorece o attack attack attack acima de tudo, os aliados burros como portas, a dificuldade esquizofrênica e a multitude de conteúdo que só aparece depois do fim do jogo.



São problemas que dão as caras desde do antigo Dark Cloud, e que aqui tem quase tanta força quanto em White Knight Chronicles - mas sem a desculpa para o grind e o conteúdo pós end-game que é o modo online. Porém, felizmente aqui eles não são problemas obrigatórios. É perfeitamente viável terminar Ni no Kuni sem passar eras mexendo no sistema de alquimia - tente fazer o mesmo em Dragon Quest VIII, ou fazer Rogue Galaxy sem grindar XP de armas e combinar as mesmas, e o jogo se torna impossível.

Ding Dong Dell: uma cidade com todo o charme da Ghibli E
da Level 5
Mas um ponto muito positivo do design de jogo de Ni no Kuni é voltar a algo que JRPGs abandonaram desde Final Fantasy X: o World Map. Não apenas temos mais uma vez um mapa mundi imenso a ser explorado, mas uma grande variedade de dungeons e áreas abertas para serem vistas, cada uma com suas próprias marcas "pessoais" - em ponto algum as áreas de Ni no Kuni são repetitivas - mas todas elas poderiam ser maiores.

As cenas animadas são lindas, mas podiam ser feitas in game
Não que ele seja precisamente um jogo ruim: as falhas da Level 5 são abundantes, mas raras vezes se tornam irritantes. Só meio que "poderia ter sido feito melhor". E nada disso importa para o peso final de Ni no Kuni quando se olha a outra metade do projeto, o estúdio Ghibli de Hayao Miyazaki. Onde o gameplay é subpar, o visual e o roteiro são maravilhosos - por mim, as cutscenes animadas a mão são totalmente dispensáveis, já que a engine do jogo já dá a impressão de estar dentro de um filme da Ghibli. Dos cenários às criaturas, tudo tem aquele charme digno de obras como Meu Vizinho Totoro e A viagem de Chihiro - enquanto o roteiro é garantia de causar tristeza, enquanto algumas cenas beiram o combustivel de pesadelos - cinzas caindo dos céus, alguém? Apesar disso, talvez fosse melhor que Ni no Kuni tivesse sido produzido como um filme, e não um jogo.

E como tudo da Ghibli E da Level 5, temos um elenco carismático, apesar do sotaque as vezes incompreensível de alguns personagens - e que é ampliado pela imensa variedade de familiares, uma das multiplas copias do "temos que pegar todos" de pokémon em jogos recentes. Mas uma cópia que tem identidade própria, embora reforce os problemas de grinding mencionados antes - acredite você vai ficar horas tentando pegar o mesmo bicho, sem sucesso, devido as baixissímas taxas de taming do jogo.


É impressionante como algo tão banal como um jogo de videogame pode as vezes discorrer sobre temas realmente relevantes, e como um "joguinho" pode ter um debate sério por trás. Desde o "what can change the nature of a man" do excelente Planescape: Torment, até a não tão bem sucedida critica ao "american way of life" da série GTA e os discursos muitas vezes confusos de Metal Gear Solid, alguns produtores adoram dar aquele "tchan" intelectual a mais aos seus títulos. E algumas vezes, por uma coincidência bizarra, as falhas técnicas do jogo acabam ajudando no tema narrativo... que é definitivamente o que ocorre com Ni no Kuni.

Em essência, Ni no Kuni é sobre aceitar a realidade como ela é e fazer o possível para tornar ela melhor, e sobre como o desespero pode corromper pessoas bem intencionadas. Tanto o "gênio negro" Shadar quanto a bruxa branca rejeitam a realidade, e desejam a destruição deste  mundo imperfeito para criar um novo sem falhas. Oliver parte em sua jornada querendo trazer sua falecida mãe de volta - nenhum deles aceita as falhas e imperfeições da realidade, mas enquanto Oliver aos poucos vai aceitando sua realidade, os vilões a muito já foram consumidos pelo desespero. Talvez não teria funcionado tão bem pra mim se o jogo em si não fosse repleto de imperfeições. Ainda assim, Ni no Kuni é uma recomendação sólida, ao menos para quem ainda curte JRPGs.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Crítica: Die Sterne Stehen Richtig


Uma das minhas acquisições na Alemanha, quando passei por lá em 2010, Die Sterne Stehen Richtig  (As estrelas estão corretas), da Pegasus Spiele, e lançado em inglês pela Steve Jackson Games é um joguinho bem diferente. Com arte de François "Goomi" Launet, do ótimo Unspeakable Vault (of Doom), e design de Klaus WesterhoffDSSR é composto por 75 cartas, representando várias criaturas dos "mitos de cthulhu", e 25 marcadores de estrela, que compõe "o céu noturno".

A ordem do jogo é simplíssima : 1. Compre cartas até ter 5. 2. (opcional) descarte uma carta para mudar o céu noturno. 3(opcional) use uma carta da mesa para alterar o efeito do descarte 4.(opcional) baixe uma carta. 5(opcional) descarte todas as criaturas sacrificadas para baixar um grande antigo.



canto direito : ações via descarte. Canto esquerdo da ilustração : valor em pontos. Base da ilustração : "constelação" necessária para baixar. Base da carta : Mudança nas ações.
Na base de cada carta, há uma série de icones, em uma formação especifica, que precisa estar visivel no céu para que aquela carta possa ser colocada na mesa. E ao lado das cartas, setas que indicam as ações que você pode fazer com o céu ao descarta-la. As três ações são "trocar", "empurrar" e "virar". trocar muda dois marcadores adjacentes de lugar. Empurrar move toda uma coluna ou linha, fazendo com que a primeira estrela seja a última, e todas "subam" igualmente. Virar muda qual face do marcador está visivel.

As cartas que já foram baixadas adicionam mais um elemento estratégico. Virando uma carta, pode se mudar o efeito, como tornar uma "empurrada" em três, ou uma virada em uma troca. Cada carta tem no canto um valor em pontos, que são ganhos ao baixar ela. O jogo termina quando alguém faz 10 pontos. É simples, sem muitas regras, poucas cartas tem efeitos especiais, e as que tem são coisas como "troque um servidor seu com um de outro jogador" ou "descarte sua mão e compre seis cartas". Deveria ser rápido, mas é comum que o jogo fique "travado" em uma situação em que ninguém pode baixar nada.

Die Sterne Stehen Richtig pode ser encomendado pela internet, ou comprado em lojas alemãs, onde custa cerca de 15 euros. A edição americana custa 27.95 dólares, valendo muito mais pegar o jogo em Alemão - se ainda encontrar. Pretendo mais uma vez tentar jogar isso em breve - com sorte, talvez eu finalmente ganhe.

terça-feira, 13 de março de 2012

O que pode mudar a natureza de um homem?

Não gosto muito de reviver textos velhos, mas não estou exatamente com tempo ou disposição para escrever algo novo, então estou lhes trazendo novamente um texto do meu velho-velho-velho blog.

"O que pode mudar a natureza de um homem"? Essa é a questão central de Planescape: Torment, Rpg para PC lançado em 1999 pela Interplay. Narrando a jornada de um imortal sem nome e sem memórias, Torment reproduz fielmente o surreal cenário de campanha de Ad&d Planescape, no que é francamente um dos melhores RPGs de computador que eu já joguei - e um dos poucos que merece ser chamado de RPG. Não é um jogo muito "ativo": boa parte do avanço se dá na narrativa e nos diálogos, extremamente filosóficos, o que pode tornar uma experiência massante para os padrões de hoje.

A jornada surreal e altamente subjetiva de Torment começa com o protagonista despertando em um necrotério, acompanhado de um crânio flutuante chamado Morte; em suas costas, traz tatuada uma mensagem enigmática ordenando a buscar um homem chamado Pharod.

Logo após, encontra o fantasma de uma mulher chamada Deionarra, que o chama de "meu amor", e o culpa pela sua morte; antes de partir, Deionarra lhe deixa  outra mensagem misteriosa : "Enfrentarás inimigos três; sombras do bem, do mal e da neutralidade, distorcidas pelas leis dos planos". E assim começa a saga do inomidado atrás de sua identidade

Ao longo de sua busca atrávez dos planos por sua identitade, o inominado encontra várias figuras bizarras, como Fall-from-Grace, uma súcubo casta, dona de um bordel para os desejos intelectuais, Vhailor, uma armadura animada pelo fanatismo de um vigilante e Dak'kon, um guerreiro-filósofo em dúvida de sua própria fé. A jornada começa girando em torno de quem o inominado é, e porque ele é imortal; com o desonrolar da trama, a questão central para esses dois dilemas, e para o jogo como um todo, é "O que pode mudar a natureza de um homem".

A jornada do inominado o leva a lidar com as consequências das ações de suas encarnações anteriores; a força emocional desses flashbacks, cobrindo as inúmeras perdas e traições de suas vidas é transmitida atráves das ricas descrições em texto, que por ora complementam a imagem, ora a substituem. O remorso parece ser a chave dessas cenas; tamanha mágoa do imortal por suas ações, que area final do jogo é uma fortaleza feita de remorso e mágoa!

Torment foi produzido usando uma variação da engine de Baldur's Gate; infelizmente, isso resulta em um sistema de combate um tanto desajeitado e bagunçado, embora esse problema não seja tão aparente em Torment quanto era em Baldur's Gate; Com a excessão de três eventos opcionais, é possível completar Torment sem um único combate. Ainda assim, os controles atrapalham um bocado; é incrívelmente fácil perder um item de vista em meio aos cenários ricamente detalhados, e o jogo é dado a Slow downs frequentes. Muitos dos elementos do mapa que podem ser manipulados cobrem um punhado de pixels, e são difíceis de achar, especialmente quando não se destacam do resto.

O gráfico era muito bom para a época; embora rodasse em 640x480, tanto os cenários quanto as sprites são bem detalhados, as animações são fluídas, e os designs representam bem a estranhesa dos planos e da cidade de Sigil. Infelizmente, o jogo não envelheceu muito bem; em computadores mais novos, além da baixa resolução se tornar mais aparente quando se compara Torment com jogos mais novos, o gráfico é dado a erros estranhos: Efeitos especiais não aparecem, ou aparecem como distorções na tela, A imagem fica branca derrepente, e os slowdowns se tornam ainda mais comuns. A fanbase do jogo fez alguns patches para corrigir isso, mas eles não estão mais disponíveis.

Como qualquer jogo de D&d, Torment usa o sistema de "tendência" do RPG de mesa, dividido no eixo Caos e Ordem, e Bem e Mal; Torment foi o primeiro jogo eletrônico de Ad&d a permitir que essa característica mudasse. Como resultado de suas ações, o jogo vai alterando a sua tendência. Ela começa em Neutro, e ao final do jogo ela representa a "soma" dos seus atos. Embora hoje em dia isso seja um elemento quase que obrigatório em RPGs eletrônicos, na época foi uma enorme inovação. Ao contrário dos jogos atuais,  isso não afetava o final do jogo, que dependia das escolhas feitas durante o clímax da história.

Como jogo em si, Torment é apenas mediano; é a sua história excelente, e a imensa quantidade de coisas para se fazer que o tornam digno de nota. Em especial, o debate que o jogo abre com a sua questão central, que jamais é respondida pela trama;se me perguntassem, eu diria que a escolha pode mudar a natureza de um homem.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Hokuto no Ken: a narrativa messiânica + kung fu + guerra nuclear

A narrativa messiânica tem uma imensa influência na ficção, especialmente na ficção heróica. E porque não teria? A figura messiânica nada mais é do que a forma mais extrema do monomito, o caso mais forte da jornada do herói, e a manifestação mais forte do personagem-como-idéia, ao invés de como pessoa. E como uma forma de narrativa heróica, os quadrinhos, os desenhos de ação, e a ficção científica tem sua boa dose de "figuras-de-cristo" e outros messias.

E é uma dessas figuras claramente messiânicas que pretendo explorar hoje: o messias do mundo pós apocalíptico, Kenshiro. É, eu estou falando de um mangá... alguém tem um problema com isso? Protagonista do épico de Tetsuo Hara e Buronson (sério, BURONSON), uma boa forma de resumir o Kenshiro é "Mad Max misturado com Bruce Lee e Jesus" - ou o Jesus do Kung Fu (embora esse título seja muito mais apropriado para o Toki). E como uma obra produzida por fora da ótica religiosa (e analisada fora dessa ótica, já que eu não sou religioso, nem um pouco) pode parecer ofensiva para alguns, mas que vale muito a pena.

Além do que, para os fãs de animes de artes marciais, é o que estabeleceu o gênero inteiro... e tem uma abertura tão ruim que é boa. 


E tirando jaquetas do nada.
Ao longo dos 27 volumes de Hokuto no Ken, Kenshiro passa a maior parte do tempo vagando de uma cidade destruída a outra, ajudando pessoas necessitadas e indefesas, explodindo bandidos (é, ele é um messias violento), enquanto procura por sua amada Yuria, em um mundo destruído por uma guerra nuclear. E é claro, dando esperança aos sobreviventes desesperançados.

*Manly Tears*
Ao mesmo tempo em que é um dos protagonistas mais brutais da animação e dos quadrinhos japoneses, Kenshiro também é um dos mais caridosos e empáticos - em ponto algum é movido por ganância, ambição ou egoísmo, mas sim por não suportar o sofrimento dos inocentes. E é notório pelo número de cenas em Hokuto no Ken que envolvem Kenshiro derramando lágrimas solitárias por aqueles que morreram.

Não espere personagens profundos em Hokuto no Ken, pois salvo raras exceções, os heróis são heroicos, os vilões perversos, e as motivações simples. As poucas exceções são ou heróis relutantes, ou pessoas bem intencionadas, mas corrompidas pelo poder ou pelo meio. E isso ajuda a aceitar quando Kenshiro "parte para ignorância": não há dúvidas de que o alvo da vez estava além de qualquer perdão. Cada declaração de "Você já está morto" (melhor one liner ever, por sinal) é plenamente justificada.

Mas os paralelos com a narrativa messiânica não são só no intenso altruísmo: Kenshiro faz "milagres", curando cegos, mudos e deficientes; várias vezes se aproxima da morte para reduzir o sofrimento dos inocentes; e no caso menos sútil, mais de uma vez é literalmente crucificado  - e é assim que começa a sua jornada: preso na cruz (na cena original do mangá, é preso em um poste, mas os OVAs e relançamentos transformaram o poste em uma cruz).

Raios, o Toki até parece com algumas imagens de Cristo.
Esse tipo de personagem é na verdade um clichê universal, parte do monomito, mas no caso de Hokuto no Ken, a inspiração na narrativa cristã é declarada. E o messianismo é perceptível em outros dois personagens de Hokuto no Ken: Raoh e Toki - os irmãos de criação do Kenshiro. Enquanto Raoh incorpora o lado mais "sombrio" da narrativa messiânica - embora busque trazer ordem ao mundo, essa tentativa é através de um líder forte, um discurso único, e uma verdade suprema - Toki traz o lado mais empático e caridoso desse tipo de mito: enquanto Kenshiro se dedica a proteger os fracos, curar os doentes e derrotar os maus, Toki se foca quase completamente em reduzir o sofrimento e curar os necessitados.

E ambos morrem para salvar o mundo: Toki deixando que Raoh o mate para mostrar a Kenshiro o caminho para derrotar Haoh, a morte de Haoh é ainda mais "salvadora". Derrotado pelo irmão, emocionado em ver como Kenshiro cresceu, ergue os punhos em direção aos céus, proclama ter vivido sem um único remorso, e.. absorve toda a radiação do ambiente, virando pedra (era um mangá dos anos 80, física e lógica não existiam ainda). E este ato final ainda é marcado pelas nuvens se abrindo, expondo pela primeira vez em anos a luz direta do sol.

Bem, não tenho uma periodicidade para isso, como sempre, mas esperem ver por aqui mais artigos com analises mitológicas de narrativas de quadrinhos e TV. E para quem se interessa por Hokuto no Ken, mas não tem tempo ou paciência para ler o mangá todo (ou a primeira metade, já que pós Haoh fica um porre), a parte que importa foi resumida em Hokuto Musou/Fist of the North Star: Ken's Rage, para o PS3 e o Xbox 360.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Recomendação: Dumbing of Age

Como alguns que me conhecem devem saber, eu sou um grande fã do trabalho do quadrinhista David Willis - em particular, acho que já postei alguma coisa da obra mais conhecida dele, Shortpacked!, um caso raro de quadrinho sobre o comércio de brinquedos, e as pessoas que nele trabalham.

Bem, no começo deste ano, Willis juntou os personagens de todos os seus títulos na web (Shortpacked!, It's Walky, Roomies e Joyce&Walky) e começou uma continuidade alternativa. Todos estes títulos envolviam elementos sobrenaturais e alienígenas e outras bizarrices (embora Shortpacked fosse o que envolvia menos estes elementos); a nova continuidade, no excelente Dumbing of Age, não envolve nada disso - e transfere todos eles de um ambiente ou do varejo de brinquedos, ou do combate a alienígenas, para um espaço muito mais "normal" - mas não menos interessante: a faculdade.


Sim, é mais uma daquelas histórias de faculdade que os EUA tanto adoram, mas Willis faz funcionar muito bem, e de alguma maneira a maioria dos personagens continua funcionando bem fora do ambiente original - ou as vezes melhor, em particular, Joyce passou da personagem mais irritante de Roomies para ser a coisa mais adorável (e ingênua) do mundo - e enquanto em Roomies a atitude dela era legitimamente antipática e preconceituosa, aqui é perdoável por inocência. Alguns personagens perderam importância: Enquanto em Shortpacked! Ethan é o protagonista (coisa em que Willis ganha muitos pontos por ter um protagonista gay que não se resume a isso e não é caricato) e Robin é uma das personagens principais, aqui ambos tem papel reduzido - e Robin em particular tem apenas uma cena.

Willis consegue manter personagens interessantes e cativantes, em sua maioria bastante excêntricos, mas não ao ponto de serem ridículos (a exceção vai para Walky, outro "ex-protagonista", que é francamente um idiota, mas um idiota com o qual eu me identifico, e que eu conheço gente igual). O único problema é a constante mudança de grupo focal: em uma tira se está no meio de alguma coisa com um grupo de personagens, e no outro dia, aquela situação continua não resolvida para se ter mais uma piada de "Mike é um canalha". E é claro, embora quase todos eles partam de clichês do ambiente universitário dos EUA, é inevitável reconhecer alguém em cada um dos personagens.