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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Três "Badasses" que causam mais estrago do que bem

Se tem uma coisa que faz muito sucesso em quadrinhos, e felizmente não tem um respaldo tão grande na vida real, são vigilantes durões e "sem piedade". Enquanto no mundo das HQs a ação deles acaba com o crime, no mundo real vigilantismo tem consequências trágicas... Mas será que mesmo no mundo dos heróis de colante esses vigilantes fazem tanto bem assim? Para seu bel prazer, três caras "durões" que talvez devessem repensar como lidam com o crime.

Antes que eu seja alvo de críticas dizendo os métodos deles são "a única solução" e a situação dentro das HQs assim o exige, permita me uma réplica prévia: esse artigo não trata de como os roteiristas tratam a situação, mas sim de como ela transcorreria se as consequências desses métodos fossem levadas a sério. E antes que venha a brigada do "bandido bom é bandido morto" e "a polícia tem que ser mais dura com o crime", ressalto que nossa polícia já é uma das mais duras do mundo. Obrigado.

Rorschach (Watchmen)

Comecemos pelo último vigilante ativo em Watchmen, o caso mais claro do problema mental desses caras, ok? Rorschach pode parecer bem intencionado em sua política de "piedade zero" com o crime, bem definida em uma fala brutal e simples: "Homens vão para a cadeia, cães vão pro abate". Só que... dá pra confiar em alguém como o "bom" e velho Walter Kovacs?

Rorschach dispensa violência como o quarto Doutor dispensava jujubas - isso pode servir para punir os criminosos, mas não é exatamente uma política inteligente quando executada por um homem que é incapaz de diferenciar um criminoso perigoso de um lunático inofensivo. Fato demonstrado por ele ter matado o Capitão Carnificina - um masoquista inofensivo que importunava "vigilantes" por gostar de apanhar. E ao mesmo tempo, ele defende fervorosamente um psicopata, estuprador e assassino, o Comediante. Hipocrisia, será?

Não apenas isso, mas Kovacs não é capaz de se encarar no espelho e notar sua própria hipocrisia. "Porque sobram tão poucos de nós ativos, saudáveis e sem problemas de personalidade", ele diz - e ignora que ele é a ultima pessoa em Watchmen que poderia ser definida como saudável ou sem problemas de personalidade. Ao menos Rorschach tem a decência de reservar a pena capital para aqueles criminosos que matam - mas julgando pelo incidente acima, dá pra confiar nas investigações dele?


Método de investigação: torturar qualquer um que possa
ter o minimo de ideia do que está rolando. super eficiente
 E vale lembrar que a forma peculiar da criminalidade pré proibição do vigilantismo em Watchmen se dava como resultado desses "heróis mascarados" como Rorschach. O último resquício de uma era que se acabou, Kovacs ainda age como se investir tempo e dinheiro - que ele obviamente precisa para outras coisas, vendo que ele é um mendigo - para prender ladrões de bolsa, gangbangers e pequenos traficantes é um bom plano.

Como resultado disso, temos um punhado de criminosos aleijados, um punhado de inocentes igualmente aleijados, confundidos pelo nosso "herói" com criminosos - e vale lembrar que a visão absolutista dele vê praticamente todo mundo como digno de punição - para que alguns desses criminosos pudesse ser levado a justiça; o que é meio difícil quando as ações dele estragam todo o processo da polícia.

No final das contas, a única ação realmente construtiva do Rorschach foi desvendar o plano do Ozymandias - fora isso, os resultados maiores das ações dele são policiais feridos, suspeitos aleijados e contas imensas para a saúde pública. Kovacs pode não ter sido responsável pelo crime que o jogou na prisão - mas certamente merecia estar lá. O cara ateou fogo em um policial, só para começar. O que tens a dizer em sua defesa, Rorschach?
Isso... Isso não é nem uma palavra...

Frank Castle/Justiceiro (Marvel)

Mas Kovacs é fichinha perto do estrago causado por Frank Castle, o justiceiro - ou melhor, o punidor, já que o nome dele em português definitivamente não se aplica. Já demonstrando um pensamento super racional, Frank Castle é o incrível homem que após perder a família no fogo cruzado entre dois grupos de mafiosos, decide matar todo o crime. Antes de eu entrar em detalhes de como esse plano já deu muita merda e como ele não pode dar certo, quero levantar um pequeno ponto aqui: muitos dos criminosos que Castle executa a torto e a direito tem eles também família e filhos - que ou vão ficar desamparados, ou vão correr atrás de vingança.

Não só isso, mas Castle reserva uma única pena para os criminosos: a morte. Seu absolutismo moral vai a ponto de cogitar suicídio por ter matado um inocente sem querer. Castle já matou policiais por "não fazerem o seu dever" em sua visão - um incidente notável disso foi a morte do Stilt-man durante a Guerra Civil da Marvel. Reformado e fora do crime havia anos, o ex-super vilão estava trabalhando junto à polícia para proteger um pedófilo na mira da máfia. Dito molestador era testemunha em uma investigação de um círculo de prostituição infantil. O que Castle fez? Matou os dois, executando um homem que já havia pago por seus crimes e estava tentando se reformar, e eliminando uma testemunha importante de um crime maior. Belo trabalho, Frank... (isso está em Punisher War Journal #3, para quem quiser verificar a burrada).

Nada do que ele faz é por "justiça" - ou ao menos assim é nas mãos do escritor mais consistente do anti-herói (que pra mim é um vilão, fala sério), Garth Ennis. Alguns tentam fazer ele parecer um bom homem, mas... dá pra chamar de uma pessoa boa alguém que já matou 68 pessoas em uma noite? E que já usou de armas nucleares contra criminosos comuns? Ressalto que ele surgiu não como um herói, mas um vilão menor na revista do Homem-Aranha.

E antes ele se restringisse a essas cagadas "quando as coisas dão errado", mas não somente ele ativamente vai atrás de criminosos para matar, mas estes nem precisam estar cometendo algum crime para entrarem na hit-list do "Justiceiro" - após o assassinato do Stilt-man, não contente em matar o cara quando ele estava tentando agir dentro da lei, Castle invadiu o funeral dele, atacando todo mundo que lá estava - resultando em queimaduras de segundo grau e intoxicações devido as bombas de fumaça. Boa parte dos convidados haviam largado o crime, alguns estavam sob escolta policial, recebendo indulto para ir ao funeral do antigo amigo - E alguns eram heróis, como o Homem-Aranha, por exemplo.

O que resultou numa merecida surra.
Uma das ações dele até resultou em problemas posteriores para outro herói: o cadáver do Halloween, um vilão menor que estava trabalhando junto a S.H.I.E.L.D durante a Guerra Civil, serviu como um dos hospedeiros do diabo nos quadrinhos do Motoqueiro Fantasma. No mesmo evento, ele ainda atrapalhou a resistência (a qual ele quis se juntar) ao executar dois vilões menores que tentaram se unir ao grupo anti-registro em troca de leniência nas penas quando a guerra acabasse.

E isso tudo nem começa a cobrir as atrocidades e cagadas do caveirudo. Com um kill count total na casa dos milhares (ao menos quatro mil mortes), é de surpreender que a Marvel ainda trate Castle como um "anti-herói" quando o Flagelo do Submundo, outro matador de criminosos, é tratado como um monstro e não chega a ter 50 mortes confirmadas... Sim, Castle pode ter destruído círculos de prostituição, como ocorreu no arco "The Slavers", da série Punisher MAX - mas a quantidade de mortes nas suas mãos, e o número de testemunhas para outros crimes que ele executou por "terem culpa" lhe dão um saldo negativo, no final das contas.

E isso ter acontecido não é pena o bastante.

Batman (DC)

Ah, Batman... um dos mais velhos vigilantes das HQs, o supremo protetor de Gotham, o cruzado encapuzado, o cavaleiro das trevas - e o maior desperdício de recursos dentro do universo DC. Não me levem a mal: eu adoro o Batman como personagem, mas quando se olha a cena maior em Gotham, ele é claramente um problema. 

Assim como Rorschach e o Justiceiro, o problema do Batman começa na metodologia e na visão de mundo: Bruce Wayne pensa que pode resolver o problema da criminalidade meramente socando o crime na cara, sem lidar com as causas. É claro que quando alguém como o Duas Caras dá a cara a tapa, ou o Coringa arma mais um plano maluco, o método do Batman resolve. Mas quando se trata do quadro de desigualdade e criminalidade intensa de Gotham... o Bat-método é uma desgraça.

Wayne gasta bilhões em bugingangas contra o crime, enquanto ignora a miríade de problemas sociais que cercam Gotham City. "Mas espera, e a fundação Thomas e Martha Wayne", você pergunta... Pois então... Obviamente que a Waynetech não pode gastar bilhões em "Batman" e "Liga da Justiça" - isso iria escancarar ao mundo que Bruce Wayne é o Batman, ou ao menos que Bruce Wayne financia o Batman, não? Afinal, não dá pra esconder o desenvolvimento de algo como o satélite da Liga da Justiça... 

E curiosamente, toda vez que essa fundação é abordada nas histórias, ela sofre de falta de recursos, embora seu orçamento seja multi milionário, porque será? Teria algo a ver com lavagem de dinheiro? Só especulando aqui, mas acho que os "programas sociais" de Bruce Wayne são apenas o disfarce pros gastos do Batman. Enquanto isso, as crianças que seriam beneficiadas pela fundação Thomas e Martha Wayne seguem largadas a própria sorte - Dark Knight Rises tratou da falta de fundos da ONG como resultado da quase falência da Waynetech, mas nos quadrinhos e séries animadas, mesmo com a empresa "no topo", a fundação sempre está sem dinheiro. Para custear a cruzada de um homem só contra o crime do Bruce, é claro.

Robo-batmen: um futuro possível
para Gotham
O resultado desse investimento milionário? Da mesma maneira que os criminosos de Metropolis (muito menos numerosos, por sinal - Metropolis tem mais super criminosos, mas menos mafiosos e traficantes, julgando pelo que nos é mostrado) se armam para lidar com o Super Homem, o crime em Gotham se equipa para lidar com a ameaça do Batman, muito maior que o orçamento e treinamento da polícia permite lidar. No caso do Super-homem, não há como o homem de aço igualar as coisas - Wayne não oferece os seus recursos consideráveis, embora possa fazê-lo, porque? Uma hora o Batman vai morrer - seja pela idade, seja um erro cometido pelo morcegão, seja um vilão de sorte - e o Gotham vai pagar o preço dessa corrida armamentista entre Wayne e o "crime".

Irmão Olho: a ditadura da máquina,
engendrada pelo Batman.
Não que ele não tenha "soluções a longo prazo" - mas nenhuma delas é benéfica para a sociedade, até porque a meta dele não é bem fazer o bem, sabe... Temos o cenário apresentado no Reino do Amanhã, onde a segurança de Gotham é preservada por um pelotão de robôs Batman, que punem rigorosamente todo e qualquer crime; O estado policial grotesco e ineficiente de Dark Knight Returns, que só é "resolvido" através do retorno do Batman e seu método de "socar o crime na cara"; o também autoritário estado de Dark Knight Rises, onde crimes são punidos sem julgamento e sem direito a defesa, sob uma lei baseada em uma farsa; e o cenário pior, onde a "justiça" mundial é preservada pelos O.M.A.C.s sob comando do satélite Irmão Olho - talvez a coisa que mais deponha contra as boas intenções do Batman.

Fascismo para combater fascismo: The Dark
Knight Returns resumido por David Willis
"Ah, mas e a Bat-Família? Os Robins, a Batgirl, etc? Eles não fazem diferença?" Fazem, até que fazem sim - mas ainda assim o morcego não é uma boa influência, e todos os resultados positivos destes vieram de sair de perto do Batman: Dick Grayson esteve perto de resolver os problemas sociais de Blüdhaven ao atacar as causas e ajudar os jovens a sair de uma vida de risco, como Asa Noturna. Barbara Gordon teve um impacto imenso no crime em Gotham como Oráculo ao monitorar os problemas na raiz, e tanto Jason Todd quando Tim Drake parece ter mais resultado solo do que tinham ao lado do Batman.

Ao menos ele não mata, mas aí temos um outro problema que é ele não deixar que matem ou morram na frente dele... dá pra entender ele achar que um Victor Fries ou um Basil Karlo tem chance de recuperação, ou ele querer salvar Harvey Dent (um amigo pessoal, e pelo qual Wayne gastou fortunas... curioso como ele não move um centavo pra ajudar Fries, que é muito menos perigoso que Dent). O que pode ser questionado é ele impedir que a justiça execute um criminoso irrecuperável como Victor Zsasz, ou o Coringa - ou pior, ativamente salvar a vida do Coringa quando este iria cair para sua morte(ao final de "Death of the Family", ação que lhe custou a confiança da "bat-família"). E tem um grande debate sobre a eticidade de matar o Coringa.

Mas sua fúria não é homicida, e se virou
contra o crime. Fora isso, são bem parecidos.
O problema maior do Batman é que ele parece carecer de empatia - mesmo suas relações com a "Bat-família" são meramente funcionais, sem dar qualquer importância até que um deles morra ou seja aleijado para gerar drama. Wayne nunca demonstrou se importar por Jason Todd até que ele morreu - e tão pouco se importava com os problemas de Barbara Gordon até ela ser aleijada pelo Coringa. (E depois disso se importou tão pouco que não ajudou ela a voltar a andar depois de arranjar como regenerar sua espinha quando Bane a quebrou...). Não a toa Christian Bale foi escolhido para o papel do Bruce Wayne: ele praticamente é o Patrick Bateman, pombas morcegos!

Não que ele seja o único assim: Oliver Quinn, o Arqueiro Verde, era outro que achava que o problema do crime se resolvia com "esse que é irmão desse", e só passou a olhar para as causas quando perdeu sua fortuna. Depois de minguar na pobreza, Quinn se dedicou a resolver o dilema da desigualdade social - e basta olhar para a diferença entre Star City e Gotham pré novo 52 para ver qual das duas estratégias dá mais resultado. Tendo dito tudo isso... eu ainda gosto do Batman - mas no contexto geral, ele é um dos maiores problemas de Gotham. Seus métodos podem resolver o problema pontual, mas no longo prazo não apenas nada fazem para lidar com as causas, como também agravam a ameaça apresentada pelo crime.

Encerro com a equipe do After Hours comentando porque o Batman é terrível para Gotham.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A iniciativa Hawkeye e as mulheres nos comics

Há muito tempo atrás, eu falei sobre a lamentável representação de homossexuais nas histórias em quadrinhos, em particular em revistas de super-heróis. Situação que melhorou muito pouco desde então, embora tenhamos tido alguns avanços significativos, e algumas medidas simbólicas, como fazer do lanterna verde da terra 2 "o lanterna verde gay".

Bem, agora, depois de quase dois meses de ócio, eu volto a falar de discriminação e representação nos comics com outro tema: mulheres. Tema que decidi trazer atona aqui (e reviver o blog no processo) em virtude da excelente Iniciativa Hawkeye, uma das maneiras mais hilárias de expor o quão ridículas e muitas vezes humilhantes são as poses absurdas tomadas por mulheres em hqs, redesenhando elas com o Gavião Arqueiro no lugar da contorcionista da vez.

Mas o problema vai mais fundo do que só a representação visual, então vamos por partes...


Falta de Identidade

Algumas dessas são versões diferentes da mesma Supergirl
Comecemos pelo problema mais "superficial" e mais óbvio: quantas super-heroínas são personagens em si? Grande parte das mulheres de destaque em HQs são ou começaram como uma versão feminina de outro personagem - e mais de um herói tem várias cópias femininas dele. Superman? Basta olhar as inúmeras Supergirls (quatro, da ultima vez que contei), junto com a Powergirl. Batman tem a Batgirl e a Batwoman - criada explicitamente como interesse romantico para o herói, em 1956 (para abafar acusações de que o homem morcego era gay, ironicamente, hoje ela é o personagem LGBT de maior destaque na DC). Mulher Gavião, Linda Strauss e Inza Nelson (Doctor Fate III e IV) são só mais alguns casos notáveis. Da "lista A" da editora mais antiga das HQs, a Detective Comics Comics - vulgo os membros "chave" da Liga da Justiça - a única não derivada de outro personagem é a Mulher Maravilha. 

É claro, esse não é o caso de todas as super-heroínas, mas uma grande parte se divide entre personagens de legado - vide a Questão atual, quarta detentora do título - ou cópias femininas de outros heróis, e o problema é mais notável na Marvel - ironicamente, a editora que tende a ser mais progressiva. Temos uma Capitã América (Sonho Americano, MC2), uma Mulher-de-Ferro (Resgate), ao menos duas cópias do Homem-Aranha (Mulher-Aranha II - a primeira tem identidade própria - e Garota-Aranha). 

Mas ela também exemplifica o segundo problema...
Roupa Própria?
Do meio disso tudo duas se salvam Jennifer Walters, a Mulher-Hulk - que nem se esforçaram com o nome, mas que hoje tem uma identidade muito forte desligada do primo - e Carol Danvers, a Miss Marvel, uma imitação tão descarada do Capitão Marvel que até a roupa era quase a mesma. Com o tempo ela se distanciou em termos de poderes e de design, ganhando uma vida própria como escritora, dramas pessoais e suplantando totalmente o original (hoje, a roupa e o título são dela). 

Não mais... e alguém detalhou um mamilo
A coisa fica ainda pior quando se olha os grupos feitos de imitações de outros heróis, onde temos uma predominância de mulheres e minorias - caso dos Jovens Vingadores, onde todo mundo é uma imitação, e é onde temos o mais notável casal gay da Marvel (Hulkling e Wiccano) e um dos mais notáveis casais multi-étnicos (Gaviã Arqueira e Patriota). Algumas super-heroínas da "lista C" podem não ser cópias de outro herói, mas copiam outra heroína, vide as cópias da Mulher Maravilha.

Para cada "Mulher Maravilha", temos 10 "Namoritas, Aqualass, Supergirls, Batgirls", e aparentadas. E é de se notar que a maioria das heroínas "autônomas" vêm de supergrupos. Não dá para dizer, por exemplo, que Ravena, Tempestade, Vampira ou Jean Grey sejam cópias de outros personagens - mas é notável que nenhuma dessas tenha surgido em uma revista delas - ou sequer que tenham uma revista própria. Na Marvel, a maior fonte de super-heroínas que não sejam legado ou parceiras de outro personagem está nos X-Men - justamente o grupo que nos anos 90 foi notável pelo excesso de personagens - enquanto na DC por muito tempo a fonte primária de heroínas não cópias era a Legião dos Super-heróis, com o mesmo problema.

Glory: a mulher maravilha de cabelo branco
(e em pose da playboy)
O boom das editoras no final dos anos 80 e inicio dos anos 90, com a ascensão de nomes como Extreme Studios, Wildstorm, Highbrow Entertainment, Top Cow Productions (todas do grupo Image), Dark Horse e Valiant resultou num aumento estarrecedor do número de super-heroínas nos mercado, com o surgimento de figuras como Lady Death, Glory, Witchblade, Cyblade, Avengeline e Fairchild. Todas sofriam de graus variados de derivação de outros personagens, indo de referências até cópias descaradas (Glory, em particular, era só uma imitação da Mulher Maravilha), e traziam a tona nosso segundo problema...


 Titilação acima de tudo.

Acho que a imagem ao lado seja um dos melhores exemplos do que vou abordar a seguir: temos aqui a primeira capa de "Vampirella", de 1969 (muito antes das garotas problemáticas do boom dos anos 90, e a "fonte" da Lady Death e da Avengeline). Embora o caso dela seja um caso extremo, o fato é que a representação padrão de mulheres nas HQs costuma ter como objetivo primário não a narrativa ou a demonstração de poder, mas sim a sensualidade e a titilação. 

Roupas coladas e decotas (as vezes simultaneamente), seios fartos, nádegas bem torneadas e pernas longilíneas são padrão entre super-heroínas e supervilãs igualmente, assim como poses absurdas que servem para colocar todos esses atributos em cena o máximo possível. 

Como demonstração disso, vou usar uma série de imagens da Iniciativa Hawkeye - a demonstração da mesma pose em um homem deve deixar claro o quão ridículas e muitas vezes submissas são as "manobras" de heroínas e vilãs.

Posando para a Maxim...
Não vejo qual o problema, é uma pose de ação, é poderosa, não é?

...Espera, o que diabos ele está fazendo?!

TEMAM MINHA VIRILHA! (sério, essa nem precisa da versão do Hawkeye)

Olhem como somos sexy!

É assim que a mutação dela é introduzida
Acho que isso são exemplos o bastante. Devo ressaltar que essas coisas não são exceções, mas sim a norma em muitas HQs...e a apelação sexual vai muito mais fundo do que só o artwork. O Boom dos anos 90 trouxe muitos casos extremos disso, como a seminua Lady Death, e a membro mais notável do Gen 13, Caitlin Fairchild - que além de ser uma Mulher-Hulk não verde, tinha a "memorável" habilidade de terminar quase todo arco de história com as roupas rasgadas - literalmente passando do que em geral era um maio hiper colado para quase nada no curso de algumas edições.

Ou o mais descarado caso de Amanda Waller, antes uma senhora gorda de meia idade, uma das poucas mulheres não atraentes do universo DC, que conseguia se impor como personagem sem precisar ter o físico de uma top model e os movimentos de uma stripper...


... e novo 52 é assim que ela tem sua primeira aparição: jovem, magra, empurrando o decote para a frente. O que era uma das únicas mulheres não "boazudas" da DC reduzida a mais uma, para como colocou o ex-editor chefe Dan Didio "focar no público masculino". Se "sutilmente" dizer que mulheres não gostosonas não tem lugar em HQs não é misoginia, eu não sei o que é.

Outro caso notável mais recente é o da Starfire/Estelar, dos Jovens Titãs (ou seja lá qual o nome da revista em que ela está hoje, Red Hood and the something-something acho). Estelar sempre foi altamente sexualizada, mas quando a DC decidiu resetar todos os seus títulos com o novo 52 ela sofre uma simplificação grotesca de personagem...

E ganhou uma espinha de borracha...
David Willis definiu bem o problema.
Antes uma figura alegre e emotiva, que celebrava o amor em todas as suas formas, incluindo o sexo, subitamente ela foi reinventada como uma figura apática e distante cujo único interesse era o "bom e velho tango horizontal". Obviamente, isso causou um grau considerável de polêmica - vinda em grande parte de quem conheceu a heroína através do desenho dos Jovens Titãs, e que merecidamente esperava algo minimamente similar a versão animada dela (e que fez mais sucesso que qualquer versão em quadrinhos da Tanagariana seminua). 

Para outro exemplo do foco excessivo em erotismo, é só ler o roteiro da primeira edição de All Star Batman e Robin (do eterno obcecado com prostitutas Frank Miller), que gasta mais tempo com instruções de como Jim Lee deve desenhar as nádegas da Vicki Vale (que passa as primeiras páginas desfilando de lingerie sem nenhum motivo) do que escrevendo a maldita história. E a repórter de Gotham nos leva ao terceiro problema...


Companheiras, Amantes e Sedutoras

Rápido, me digam alguma amiga da Lois Lane. Nenhuma? Que tal da Mary Jane? Algum detalhe da vida pessoal das personagens secundárias além do herói do título? Difícil, não? Algum interesse pessoal da Selina Kyle, a mulher gato, além de Batman e roubo de jóias (a julgar pela revista dela, sexo com o Batman após roubar jóias)? Embora algumas versões alternativas tenham mais profundidade do que isto, a grande maioria das personagens femininas em quadrinhos acabam se resumindo a um dos três papéis acima, especialmente quando são jovens.

É claro, é fácil dizer que isso é resultado de serem personagens secundárias... Mas enquanto o Comissário Gordon tem uma vida além de Batman e Bruce Wayne, o que se sabe da vida pessoal de Vicki Vale? Além da equipe do planeta diário, quem são os amigos da Lois Lane? Até em membros de super equipes essa discrepância é notável - quantas relações fora dos X-men ou dos vingadores tem a Tempestade - uma das mulheres de maior destaque na Marvel? Talvez ela não seja o melhor exemplo, mas é um personagem mais conhecido.

Peguemos um caso melhor, então: as multiplas mulheres no passado do Wolverine. Enquanto outras figuras do passado do baixinho enfezado tem longas vidas além da relação com o Logan, toda a existência de Yuriko (Lady Letal) e Silverfox parece girar em torno do X-men, vingador, X-force, X-qualquer coisa e rouba cenas padrão da casa das idéias. Não sabemos nada sobre elas além da relação com Logan. Enquanto isso, Dentes de Sabre tem um bocado de ligações além do Wolverine (notavelmente, o caso do Graydon Creed, o filho dele com a Mística).

The RuleUma boa maneira de se avaliar as questões de gênero no nível mais básico é o teste de Bechdel, introduzido pela cartunista americana Alison Bechdel na tirinha "Dykes to Watch For", em 1985. Para passar nesse teste básico, uma obra precisa ter: 1) Ao menos duas mulheres. 2) Elas tem que conversar uma com a outra. E 3) sobre algo além que não seja um homem. Não-surpreendentemente, não são muitas revistas de super-heróis que passam no teste. De fato, a maioria mal passa no primeiro item, e muitos dos que passam falham no segundo (em geral, quando passam do segundo o terceiro é garantido, o problema é chegar a tanto).

Uma heroína (e ex-vilã) que eu gosto muito, mas que falha espetacularmente em ter uma vida pessoal é a Soprano - como vilã, sempre definida pela relação com um vilão maior, e como anti-heroína e depois heroína nos Thunderbolts, nunca definida além do heroísmo e da relação com o Fundador dos thunderbolts, Barão Zemo. Isso parte de um problema essencial da industria de quadrinhos, e que também afetava a questão dos homossexuais: achar que "mulher" conta como um tipo de personagem. A mentalidade - não intencionalmente - é simples: "já é uma mulher, então tenho um personagem pronto".

É como a questão dos heróis negros, extremada no Luke Cage : "ele não precisa de um tema, ele já é um negro". Isso advém de um grau internalizado de sexismo por parte de autores homens, que os leva a ver mulheres como algo a parte, externado no discurso raivoso do ilustrador Tony Harris em novembro deste ano, afirmando que mulheres não são bem vindas nas convenções, não são nerds de verdade, e que seu único interesse é "chamar a atenção de homens inseguros para se sentirem bem". Resumindo: "Vocês não são como nós, são MULHERES, não vão nos entender, só querem nos seduzir".

Mulheres no refrigerador

E agora entramos no ultimo e mais violento problema, o que a escritora de quadrinhos Gail Simone chamou de "mulheres no refrigerador", a estranha tendência de personagens femininas serem mutiladas, perderem os poderes ou serem mortas como um dispositivo de trama. O apelido para esse tropo desagradável vem de uma cena infame dos quadrinhos do Lanterna Verde (ao lado), quando Kyle Rayner encontra o corpo mutilado da namorada enfiado na geladeira.

Embora heróis masculinos também sejam vítimas de violência como ferramente narrativa, como no caso do segundo Robin, Jason Todd, espancado até a morte pelo Coringa, isso não torna a situação menos desigual. Segundo o ex-editor do Comic Book Resources, John Bartol, no caso deles a tendência é retornar ao Status Quo - vide a morte e retorno de personagens como Super Homem, Bucky, Capitão América, Batman, Barry Allen (Flash II) e o próprio Jason Todd.

Enquanto esses personagens retornaram a vida, a maioria das mulheres "enfiadas no refrigerador" nunca retornam ao Status Quo. Quando Bruce Wayne ficou paraplégico, rapidamente ele encontrou maneiras de RESTAURAR UMA COLUNA QUEBRADA, mas quando Barbara Gordon esteve na mesma situação, ela só retornou a andar após o reboot do universo DC com o novo 52. Segundo Bartol, após as alterações, a maioria das personagens "nunca tem permitida, ao contrário do que ocorre com heróis masculinos, a oportunidade de retornar ao seu estado heroico original, e é aí que notamos uma diferença".

De acordo com Gail Simone, esse padrão é um dos maiores responsáveis pela falta de interesse de garotas por quadrinhos. "... a questão sempre foi: se você demolir a maioria das personagens que garotas gostam, então garotas não vão ler quadrinhos, simples assim", afirma. E não são raros os casos de "mulheres no refrigerador", sejam antigos ou recentes. Por raramente terem papéis principais, mulheres são "alvos fáceis" para gerar drama, mas nem as protagonistas escapam.

Vale notar como ela não teve sequer
chance de se defender.
Da morte de Gwen Stacy - um ponto alto na narrativa de super-heróis, até absurdos como a gravidez acelerada via estupro incestuoso da Miss Marvel (um dos pontos mais baixos da Marvel, e que hoje é estarrecedoramente tratado como piada), as duas mortes quase simultâneas da Vespa, o período sem poderes da Mulher Maravilha e o aleijamento da Batgirl (e implícito estupro), ou a morte da Big Barda (a mulher que é mais forte que o Super-homem!) na cozinha, o problema não é nos casos isolados - mas sim no fato de serem um padrão nocivo que atinge até personagens que deveriam ser ícones de afirmação, vide a infame "tentativa de estupro" em Buffy (não um caso de quadrinhos, mas notável mesmo assim). 

Mas vocês não precisam acreditar na minha opinião: pesquisem, leiam e vejam por si mesmos o quão entrelaçada na industria de quadrinhos está a misoginia, lamentavelmente. Um padrão que pode - e deve - ser mudado. Não podemos e nem deveríamos tentar fazer com que HQs sejam um clube do bolinha. 


*P.S.: Para quem afirma que homens também são objetificados em HQs, David Willis tem umas coisas pra te explicar...
Falsa equivalência.
P.P.S: 

Para quem diz que é um assunto irrelevante, e que mulheres não são o publico alvo,Willis mais uma vez - e há realmente de se questionar alguém que defende excluir 50% da população...



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Super-heroínas (e Mulher Gato) em campanha contra o câncer

Pois então: as imagens acima são de uma campanha da Associação de Luta Contra o Câncer (ALCC) de Moçambique, retratando algumas "musas" dos quadrinhos fazendo o auto-exame de mama. Mostrando mais uma vez como a mídia de quadrinhos pode ter impacto social de verdade. É uma campanha inteligente, bem bolada, e que tem mostrado difusão nas mídias sociais... Infelizmente, parte dessa difusão tem sido pelo fator "olha, a Mulher Hulk apalpando os seios" - mas bem, um pouco de fanservice bem intencionado é melhor do que a tosqueira de costume.