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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Minorias nos Quadrinhos: Bouncing Boy



Rápido, sem pensar muito, quantos super heróis gordos você conhece? Não são muitos, certo? Agora, quantos desses são personagens “sérios”? Em sua grande maioria, personagens gordos em histórias de super heróis são ou vilões (e que costumam fazer ou o tipo “Jabba” ou “Barão Harkonnen”: o vilão cuja obesidade mórbida o torna quase imóvel e simboliza sua decadência moral, ou o tipo do Blob: um glutão com intelecto limitado e cujos poderes estão intimamente ligados ao ser gordo) ou são alívio cômico.
Essa pose exata foi usada centenas de vezes. Quase como
se tivesse um adesivo dele para colar na página. 


Bouncing Boy, da Legião dos Super Heróis, não é exceção a regra: criado na revista Action Comics #276 como uma piada ambulante em 1961 por Jerry Siegel e Jim Mooney, Chuck Taine do planeta terra tem o incrível poder de inflar em uma bola e quicar. Assim como certos personagens anteriores *coffcoff EttaCandy coffcoff*, em sua caracterização original Taine tinha uma única coisa em mente: refrigerantes. E é dessa gulodice que nascem seus poderes, pois num dia fatídico, Chuck Taine bebeu uma formula secreta para um super plástico, ganhando o poder de inflar. Depois de ser rejeitado pela Legião dos Super Heróis por “ser ridículo demais” duas vezes, Taine foi aceito na Legião após derrotar um vilão elétrico. Afinal, seu corpo de plástico não conduzia eletricidade.

Não parece um começo muito promissor, não é? E realmente não era: em seus primeiros anos, Chuck Tane era o típico “gordo de quadrinhos”: atrapalhado, sempre pensando em comida, e mais problema do que ajuda. Em suma, uma piada ambulante. E nada melhor para servir de exemplo disso do que Adventure Comics #375 (1968, “Todos Saudem o Rei da Legião”), uma história centrada totalmente na premissa de “o quão absurdo seria se Bouncing Boy derrotasse o resto da legião”.


Mas com o passar dos anos, o personagem foi se desvencilhando das amarras do estereótipo e graças a perene rotação de líderes da legião, se demonstrou um líder competente - talvez um dos melhores que a legião teve. O antes imbecil herói demonstrou repetidas vezes um intelecto aguçado que lhe permitiu compensar a relativa falta de poder com planos e ricochetes engenhosos. Com a liderança, veio um certo grau de seriedade. Não mais apenas um alívio cômico (mas ainda uma piada), Taine se demonstra um estrategista competente, e um excelente mentor para os recrutas mais novos.


Em Superboy #200 (1974), Chuck Taine se casa com outra legionária, Luonor Durgo, a Donzela Dupla, em um relacionamento que se desenvolveu ao longo dos anos.  Onze anos depois, abandona o rol ativo da legião após perder seus poderes pela segunda vez em Legion of Superheroes Volume 3 #11 (1985). Assumindo uma posição como reservista da Legião, Taine e Luonor se tornam instrutores para os novos recrutas do grupo. Um fim aceitável para um herói que surgiu como uma piada ambulante. E ao longo desses 24 anos de carreira, Taine jamais perdera a uma característica que realmente o definia: ser gordo. Ao longo dos anos ele oscilou entre “uma bola”, “obeso” e “com pança”, mas jamais fora “Atlético” ou “magro”.





Pós crise: sem poderes, menos esférico.
Mas a DC tinha outros planos. Veio a Crise das Infinitas Terras, e uma das primeiras coisas a desaparecer (e que levaria mais tempo para retornar) era a Legião dos Super Heróis, lar de alguns dos mais ridículos personagens da editora. Apenas em 1994 a Legião retornaria, e somente em janeiro de 1996, Chuck Taine retornaria, rebatizado como Charles Foster Taine (em homenagem ao Charles Foster Kane, o magnata de Cidadão Kane). Essa versão de Taine não era um super herói, mas um arquiteto e engenheiro, reduzido a um membro honorário da Legião. O nome Bouncing Boy, por sua vez, passou para uma máquina desenvolvida por Taine.


A cara de frustração é por causa das outras versões.
A vindicação de Taine viria apenas em 2006, com o desenho da Legião. Dublado por Michael Cornacchia, essa encarnação do personagem teve o caráter cômico reduzido, apesar de se manter fiel ao original. Na série, o rotundo herói era o “McCoy” para o Spock de Brainiac 5, e recebeu foco considerável como líder da Legião durante a maior parte da primeira temporada, atuando como estrategista repetidas vezes durante a segunda. Infelizmente, o desenho foi cancelado após duas temporadas, sina comum para as séries animadas da DC. Ainda assim, a versão animada - jovial, bem humorada, inteligente e engraçada sem ser pateta mantinha todos os aspectos positivos do original, sem o caráter ridículo da versão impressa.


Após a Crise Infinita (porque nunca se tem crises o bastante), uma versão de Chuck Taine retornou ao multiverso DC em 2008. Essa versão remetia ao original, e de maneira similar, era casado com a Donzela Dupla da sua realidade. Embora não fosse uma piada ambulante, esse Chuck Taine não tinha o mesmo carisma da versão animada - e terminou sendo uma nota de rodapé da Crise Final.

O que não impediu o cinema de faze-lo mias "em forma".
Chuck Taine é um dos raros super heróis gordos no Mainstream de quadrinhos de super heróis, e um dos poucos que foi tratado com um mínimo de dignidade. Sua versão televisiva, no entanto, é a que realmente merece respeito: enquanto nos quadrinhos sua gordura era um caso de “haha, ele é gordo”, a animação  fez dele um super herói que por acaso era gordo - mas cujo peso não o definia. E ao contrário do excelente Nite Owl de Watchmen - um herói fora de forma tratado na mais completa seriedade - Chuck não é gordo como um sinal de “ter perdido o jeito”: suas encarnações mais recentes são gordas por que gente gorda existe (e por trazer de volta um personagem gordo).

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A insanidade bombada de He-man e os mestres do universo

Os anos 80 foram uma fonte interminável de linhas de brinquedos absolutamente bizarras, e acompanhando essas linhas de brinquedos memoráveis, estavam desenhos igualmente estranhos. Mas nada é mais emblemático da relação promíscua de animação e brinquedos do que He-Man e os Mestres do Universo.

Criada pela Mattel em 1982, a linha de brinquedos de He-Man e os Mestres do Universo surgiu como mais uma das tentativas da empresa de se recuperar de um dos seus maiores erros: ter recusado a proposta de George Lucas para produzirem os brinquedos de Star Wars. A ideia para o bárbaro bombadão foi de Roger Sweet.

As três faces da loucura
Sweet percebeu duas coisas essenciais: uma era que a linha tinha que ter identidade própria (e não repetir o erro da tentativa anterior da Mattel, Big Jim, e copiar a concorrência) e a outra é que ela teria que ser simples. Com essas coisas em mente, e inspirado por arte de Frank Frazetta e histórias de Conan, o Bárbaro, Sweet produziu três protótipos para o “He-Man”: um bárbaro, um soldado cibernético e um astronauta.

O Bárbaro ganhou - e sua similaridade com Conan foi tamanha que os detentores de direitos sobre a obra processaram a Mattel; em 1980, a empresa havia firmado um contrato para lançar bonecos do filme do cimério, e cancelado o contrato em cima da hora, apenas para lançar um boneco parrudo que parecia muito um Conan loiro.

A trama era simples: de um lado os “Mestres do Universo”, liderados por He-Man, e do outro os Guerreiros do Mal, liderados por Skeletor (Esqueleto, no Brasil). Nas primeiras histórias, disponibilizadas junto com os bonecos e escritas em parceria com a DC Comics, as duas facções batalhavam em uma terra pós apocalíptica para juntar as duas metades da Espada do Poder e proteger ou conquistar o Castelo de Grayskull. Nessa micro continuidade, o bárbaro herói era um homem das cavernas em um mundo arruinado (muito similar ao clássico de Jack Kirby, Kamandi), e essa versão da história explica porque os bonecos de Skeletor e He-Man vinham cada um com uma espada do poder "pela metade".

A simplicidade e a bizarrice

O boneco padrão da linha:
acocorado, disforme, fazendo
joinha.
Os bonecos “básicos” do He-Man eram bastante simples: um corpo extremamente musculoso de tanga, braços e pernas desproporcionais e uma cabeça grande demais para o corpo. Articulação era restrita aos ombros, pescoço e quadris. Os joelhos e cotovelos estavam permanentemente dobrados (o que fazia parecer que eles estavam indo ao banheiro), e a cintura contava com um elástico para um “soco poderoso”. Uma mão era aberta para segurar acessórios, e a outra era completamente espalmada (o que faz do “soco poderoso” algo mais perto de um “tapa avassalador”).  

No entanto, a partir dessa estrutura básica He-man trouxe alguns dos bonecos mais bizarros já vistos pelos olhos humanos. Snout Spout tinha uma cabeça de elefante e esguichava água. Stinkor fedia. Moss-man era coberto de musgo. Mekaneck tinha um pescoço que esticava. Man-e-faces tinha rostos alternativos. Roboto e Mandibula tinham braços alternativos. Rio Blast abria em meio zilhão de armas. E assim vai: o segredo de He-man era uma forma estranha de simplicidade. Simplicidade em que cada boneco tinha uma coisa para fazer, a partir de uma base em comum.

Moss-man tinha cheiro de pinho. 

Roboto: "mecanismos internos" e membros intercambiáveis

Só eu que acho ele parecido com um Chuck Norris pré barba?

Extendar, e a habilidade de se esticar
Leech: o poder das ventosas
Esse boneco fede. sério.


As coisas ficaram ainda mais estranhos quando a linha passou a sair desse padrão base. Dragstor tinha uma roda no peito (que permitia que ele “corresse como um carro”). Twistoid e Rotar eram essencialmente piões. Blast-Attak explodia. Modulok era feito de 22 peças intercambiáveis (para assumir formas diferentes). Rokkon e Stonedar viravam pedras. Grizzlor era peludo. A insanidade não tinha fim. Conforme a linha se expandia, o mesmo acontecia com o número de facções: Skeletor foi "destronado" como o vilão principal por Hordak, e o mesmo foi tomado da posição por King Hiss, e ao final da linha, os "mestres do universo" tinham que lidar com os guerreiros do mal, a horda maligna e os homens serpente.

Dragstor, o homem moto. 

Grizzlor, ou: "colei membros num tribble".

King Hiss, desprovido do seu disfarce humano.

Mantenna (os olhos "saltam")

Modulok, ou "o que diabos eu ganhei?"


Um dos mais famosos playsets dos anos 80. 
A linha contou também com veículos, montarias (mais notórias, Gato Guerreiro e Panthor, as montarias do He-Man e do Skeletor, respectivamente, criadas a partir de um molde para uma linha de safari), criaturas, gigantes e playsets (um dos quais, o Castelo de Grayskull, me trás lembranças muito pessoais envolvendo cair do sofá). Poucas linhas providenciaram tanta variedade quanto He-man, ao mesmo tempo que traziam bonecos que faziam tão pouco. Para dar um exemplo, as montarias e o boneco Ram-Man contavam com zero pontos de articulação.

Do plástico para a TV

Como toda boa linha de brinquedos dos anos 80, He-Man contou com uma série animada - uma das primeiras do gênero. Produzida pela Filmation, a série animada expandiu o personagem do He-Man: ele agora era Princípe Adam, o aparvalhado e fresco herdeiro do trono de Etérnia, que ao erguer a espada do poder e gritar “EU TENHO A FORÇA”, se transformava no herói mais poderoso de todos, He-Man.

Embora tivesse roteiros de futuros notáveis como J. Michael Straczynski ( Babylon 5), Paul Dini (Batman the Animated Series), David Wise (de Real Ghostbusters e Tartarugas Ninja) e Larry DiTillio (Beast Wars), a série era o lixo barato típico da época. Com animação limitada e orçamento tão baixo que as duas formas de He-Man eram idênticas salvo pelas roupas (o que levanta a pergunta de como ninguém notava que o principe Adam era o He-Man), o desenho inovou em um aspecto: pela primeira vez em anos, o herói de uma série animada americana podia de fato bater em alguém - mas ainda assim não podia usar a espada como uma espada. Para “compensar” a violência, cada episódio se encerrava com uma “moral da história”.



Os designs para a série nova continuavam tão... sugestivos
quanto na original. 
He-Man foi um gigante a sua época. com 130 episódios em duas temporadas, a série original foi exibida repetidas vezes de 1982 à 1990, recebendo uma continuação (As novas aventuras de He-Man) em 1990, onde Adam e Skeletor eram transportado para um mundo futurista, e um filme em 1987, com Dolph Lundgren no papel principal. Há sinais de que o filme (desastroso) tivesse sido pensado inicialmente como uma adaptação de outra sério, o Quarto Mundo, de Jack Kirby. Não que He-Man já não tivesse doses elevadas de Kirbosidade (e os quadrinhos publicados desde 2012 parecem buscar reafirmar a inspiração da série no mestre dos quadrinhos).

Não mais disforme.
Em 2002 houve uma tentativa de recriar He-Man, com sucesso limitado. Na nova série, Skeletor era o meio-irmão do Rei Randor, pai do príncipe Adam. A linha contou também com novos bonecos, um bocado menos deformados que os originais (mas igualmente centrados em gimmicks de funcionalidade duvidosa). Sinceramente, a série de 2002 é talvez a melhor maneira de se acompanhar He-man: a animação e os roteiros são bons para a época, o conjunto é mais coeso que na série original, e a premissa de Adam e He-man serem vistos como pessoas distintas faz muito mais sentido quando He-man parece ter o triplo do tamanho do príncipe.

O Exemplo do trabalho da Four Horsemen: Merman.
Por sua vez, a linha clássica teve um revival modernizado em 2008, através do estúdio Four Horsemen, que tem produzido bonecos modernizados de He-Man, com designs extremamente detalhados (e sem as proporções bizarras do original). A linha continua contando com novos lançamentos, apesar de ser distribuída exclusivamente pela loja online da Mattel. Com o nome Masters of the Universe Classics, a coleção aprofundou o background de vários personagens, concretizou várias artes conceituais abandonadas e oficializou certos redecos, como Wun-darr, o He-man moreno promocional de uma marca de pão. (Ele vem um com um pão!!!!).

She-ra: uma linha de ação para meninas.
He-Man também gerou um spin-off, She-Ra, A princesa do Poder, em 1985. O spin-off centrado na irmã gemea de Adam, princesa Adora, contou com 93 episódios, mas nunca atingiu a mesma popularidade do primo. A linha era orientada para meninas, uma das raras linhas para esse público à época que não era centrada em moda e relacionamentos. Os bonecos de She-Ra contavam com moldes menos disformes que os de He-Man, cabelos “de verdade” e acessórios em tecido - mas não eram compatíveis com a linha original.



Todas as imagens de figuras são de He-man.org. Agora fiquem com o mais "infame" vídeo do He-man:



segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Arqueiro Verde - muito além de um clone do Batman.

A primeira aparição: um Batman verde.
Agora que o seriado Arrow se aproxima de sua quarta temporada, e finalmente passa a utilizar o nome Arqueiro Verde, a velha alegação de que se trata apenas de “Batman sem o Batman” se torna cada vez mais comum. E como tal, sinto-me na obrigação de expor um pouco da história deste tão ignorado atirador da DC Comics - que sim, surgiu como uma imitação barata do Batman.


Criado por Morton Weisinger e George Papp em 1941, o herói foi um dos primeiros integrantes da onda de copycats da era de ouro dos quadrinhos de super heróis.  A dupla foi inspirada no serial “The Green Archer”, de James W. Horne, lançado no ano anterior, e que trazia outro arqueiro combatente do crime. Enquanto Batman tinha o Batmóvel, ele tinha o Flecha Carro. O morcego tinha o Batjato, ele tinha o Flecha Jato. O cruzado encapuzado tinha Robin, o menino prodígio, o Arqueiro Verde tinha Ricardito. E no caso mais inexplicável, o arqueiro verde tinha sua base secreta na... Flecha Caverna.

Sim: a flecha caverna.


As únicas grandes diferenças entre ele e o cavaleiro das trevas estavam no figurino (inspirado em Robin Hood), no estilo de combate e na história de origem. Na era de ouro dos quadrinhos, Oliver Queen era um arqueólogo especializado em cultura nativo-americana, enquanto seu protegido Roy Harper era um menino que perdeu os pais em um acidente de avião em Lost Mesa. Após um assalto a um museu destruir a carreira de Queen, um encontro fortuito leva a dupla a se juntar para enfrentar um grupo de criminosos na área de preservação. E munidos do tesouro perdido de Lost Mesa, os dois se tornam Arqueiro Verde e Ricardito.


A origem do herói foi reescrita pelo mestre dos quadrinhos Jack Kirby, em 1959. Na nova origem, Oliver Queen era um playboy milionário que acidentalmente caiu no mar (por ter “bebido um pouco demais”. Preso na Ilha Estrela do Mar, Queen sobrevive com técnicas improvisadas de arco e flecha. Após salvar a tripulação de um cargueiro tomado por um grupo de piratas, o playboy assume o nome de Arqueiro Verde. A nova versão fazia de Queen um “Robson Crusoé moderno”, e serviu de base para todas as leituras posteriores do herói.

Crescendo a Barba


Mas foi no final dos anos 60 que o personagem realmente se desprenderia da sina de “imitação do Batman”. Sob roteiro de Dennis O’Neill e arte de Neal Adams, que assumiram o personagem em 1969, Queen passaria por grandes mudanças. A primeira foi visual: Adams repaginou a roupa e deu a Queen o seu distinto cavanhaque. Mas as mudanças maiores seriam políticas. Em Justice League of America #75 (1969), Queen perde toda a sua fortuna, e se vê obrigado a morar nas ruas.

"O agitador e o policial"
A perda da fortuna e o contato direto com a população carente de Star City levam o herói a se tornar um defensor da mudança social e um membro ativo da esquerda política americana. De um milionário sem envolvimento direto com a política, como Bruce Wayne, Queen passa a ser um militante marxista, clamando por uma mudança radical no sistema. Pareando o “Robin Hood americano” com o Lanterna Verde, a dupla O’Neil e Adams abordou múltiplas questões sociopolíticas, aproveitando da disparidade de ideias entre os dois. Enquanto Jordan era o “policial”, que acreditava ser possível mudar o mundo “pelas regras”, Queen era o “agitador”, que via necessária uma mudança radical em tudo.  Da desigualdade social ao racismo institucionalizado, passando por senhorios abusivos, agiotagem e na história mais famosa dessa época do herói, o vício em drogas.


Dando lição de moral em Hal Jordan por sua adesão cega
às regras e à autoridade.
Em Snowbirds don’t Fly, publicada nas revistas  Green Lantern/Green Arrow #85 e 86, Queen lidava com um problema “em casa”: a revelação que seu protegido, Roy Harper, estava viciado em heroína. A trama foi uma das primeiras a abordar com seriedade o vício em drogas, até então ignorado pelas revistas de super heróis. O’Neill usou do seu background como ativista social e jornalista para abordar o tema com a profundidade devida.


A primeira história da DC a lidar
com o vício; Snowbirds don't fly.
Nas duas edições, Oliver descobre que um grupo de viciados se apropriou de algumas de suas flechas. Suspeitando que elas tenham sido roubadas de casa, Queen e Hal Jordan fazem uma batida em uma boca de fumo, onde encontram Harper (com quem Queen não fala direito “a cerca de um mês”, por não ter tempo para lidar com o quase-filho) “fazendo uma investigação secreta”- o que se segue após a é uma longa exposição das questões sociais por trás do tráfico de drogas, a maneira como a pobreza, o isolamento social e o abandono familiar contribuem para o vício. Nem Hal nem Oliver percebem a indireta do rapaz, até que o vigilante volta para casa e flagra o adolescente se drogando. Ao tom de surpresa do mentor, Harper tem uma única resposta:


“De quem você achou que eu estava falando”?


Tomado pela ira, Oliver surra o rapaz, e o expulsa de casa. Antes de ir embora, Harper joga na cara do mentor toda a sua hipocrisia, de como Oliver se sente “melhor que os outros” e “se chapa em sua própria retidão”. Enquanto o Arqueiro se culpa por “ter falhado” com o rapaz, o Lanterna trata de ir levar Harper - novamente drogado - aos cuidados de Dinah Lance (a Canário Negro), então namorada de Queen. No caminho, Roy expõe o que o levou a tentar drogas: não bastando o abandono de Queen, haviam todas “as mentiras que sua geração contou”. Frente a isso, na mente do rapaz, porque confiar no que adultos lhe contavam sobre drogas?



A trama se encerra com o funeral de um dos amigos viciados de Harper, vítima de uma overdose. Enquanto Queen lamenta sua incapacidade de deter todos os traficantes, Harper renega seu mentor por ter lhe virado as costas quando mais precisava. Ali se encerrava a série politizada dos dois heróis verdes, com Queen se sentindo orgulhoso do protegido por largar o vício e “sair do ninho”, apesar de perder ali o vínculo com o rapaz.. O discurso político de O’Neil era claro ao alertar para o sofrimento de viciados e o sentimento de abandono enfrentado por eles. Mais do que uma história de heróis, Snowbirds don’t Fly era um manifesto a respeito das falhas da “guerra as drogas” e do tratamento dado a viciados.

Mudando o tom


Longbow Hunters: uma virada para
o realismo. 
O próximo grande passo para a caracterização do arqueiro viria em 1987, sob arte e roteiro de Mike Grell. A minissérie “The Longbow Hunters”, que deu uma roupagem mais “sombria” ao personagem, incluindo o uso de força letal contra traficantes de drogas que torturaram Dinah. Espelhando questões políticas novamente, o grupo de traficantes enfrentado pelo herói e pela misteriosa arqueira japonesa Shado eram parte de uma operação da CIA para vender armas para o Irã de forma a financiar guerrilheiros na Nicarágua. Grell deu outra leitura para a origem, reescalando Queen como um hedonista que após naufragar na ilha, toma o combate ao crime como uma forma de evitar suas responsabilidades.


O tom “soturno” e “violento”, muito parecido de fato com o da série de TV (e que evitava o nome “Arqueiro Verde”) se manteve até 1993, com a saída de Grell. Essa temporada “madura” focada em crimes “convencionais”, envolvia pouca interação com super heróis, e contava com um elenco próprio de policiais, agentes do governo e outras figuras “mundanas”. A fase de Grell viu também o nascimento de um dos filhos de Queen, Robert, nascido de quando o herói foi estuprado por Shado. Kelley Puckett escreveu outro outro filho, Connor Hawke, o segundo arqueiro verde, em 1994.


Pós Zero Hora Oliver Queen foi atomizado, trazido de volta a vida, teve amnésia e outras tramas típicas de super heróis antes de sua última grande reinvenção, sob as mãos de Judd Winnick. De ativista, Oliver passa para político, sendo eleito prefeito de Star City. Porém um escândalo força o herói a renunciar à prefeitura. Em 2007, Andy Diggle e Jock apresentam outra versão da história de origem, em que Queen é um ativista milionário lançado ao mar por um grupo de contrabandistas. A série de Winnick se encerra com Queen pedindo Lance em casamento - o que levou a múltiplas minisséries sobre o casal.

Como dá pra ver, ao longo dos anos o Arqueiro Verde se distanciou (e muito) de sua origem como "Batman Paraguaio". Ironicamente, o herói socialmente consciente e ligado intimamente aos movimentos sociais carece da proibição de matar que marcou o Batman ao longo de toda sua publicação. Talvez por não ter um código moral tão "absoluto" quanto o de Wayne. Talvez por não temer tanto que vá se perder caso essa linha seja cruzada. Ou mais provavelmente, por ser caracterizado como muito mais humano e falho do que o hiper focado cavaleiro das trevas.

Após isso, Queen passou por toda a gama de esquisitices da DC: foi morto, seu cadáver foi revelado como um sósia, transformado em um Lanterna Negro, fez parte da abismal série Cry for Justice (que viu o herói cometer assassinato como “vingança” por um atentado, e abandonar a Liga da Justiça), e ao fim de tudo, foi completamente repaginado como parte do Novo 52, em 2011. Esta versão do herói ignora absolutamente tudo que eu escrevi aqui, e algum outro dia eu falo dela. Até por que, honestamente, eu li quase nada do Arqueiro pós Flashpoint. Da mesma maneira, outra hora eu falo melhor sobre sua versão televisiva.