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quarta-feira, 27 de julho de 2016

Baú de Brinquedos: a ascensão e queda da Popy

Poucos mercados são tão menosprezados e tão voláteis quanto o mercado de brinquedos. Embora hoje este setor seja quase totalmente controlado por poucas empresas (Mattel, Hasbro, Bandai e Fisher Price, primariamente), as coisas nem sempre foram assim; entre 1960 e 1980, empresas de brinquedos surgiam e desapareciam com a mesma facilidade que lançavam linhas. Empresas do ramo têxtil (como a Hasbro) viravam gigantes dos brinquedos, e na década de 70, uma pequena subsidiária de uma gigante dos brinquedos se tornou uma gigante, apenas para desaparecer na década seguinte. Falo é claro da Popy.

Embora seja lembrada por seus bonecos de alta qualidade,
a Popy surgiu fazendo brinquedos baratos e curiosidades,
como este Getter Robo de 1973. 
Fundada pela Bandai em 1971 para a fabricação de brinquedos voltados à farmácias, lojas de conveniência e lojas de desconto, a Popy começou suas atividades com linhas baratas de veículos e miniaturas. Vendidas na faixa dos 100 aos 600 ienes, os produtos da Popy ficavam de fora do grande mercado - as lojas de brinquedos e de departamentos. Ao invés disso, eram vistos em paradas de estrada, postos de gasolina e pontos turísticos.

O caráter “descartável” da Popy fazia dela uma âncora de segurança para a Bandai, e em 1972, a empresa serviu de “laboratório” para duas licenças nas quais a matriz não tinha muita confiança: Kamen Rider e Mazinger Z.

domingo, 15 de maio de 2016

Robôs gigantes e paradigmas culturais, uma leitura breve.

Sym bionic Titan: uma carta de amor ocidental ao
jeito japonês de fazer robôs gigantes. 
Sim, cá estou eu novamente falando sobre robôs gigantes. Depois de falar das ligações do gênero com o Horror, com a literatura Ruritânia e com a literatura de Guerra, agora a abordagem é outra: como a indústria cultural americana e japonesa lidam com esse conceito - e a acreditem, as diferenças são tão intensas quanto entre a noite e o dia.

Então para melhor entendermos quanto as obras de robôs gigantes dos dois lados diferem, vamos aprender um pouquinho sobre como cada lado do globo lida com o gênero, e aí ver onde que há uma certa mescla entre os dois tratamentos?

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Circulo de fogo copiou, mas não de Evangelion

O tempo passa, a indústria de filmes de quadrinhos só aumenta, a FC audiovisual tem um ressurgimento impressionante e uma coisa permanece desde 2012: a ideia de que o filme Pacific Rim (Círculo de Fogo no Brasil) seja um plágio de Neon Genesis Evangelion. Vamos por partes. Não, Pacific Rim não é “100% original”, nem nunca teve a pretensão de ser. Mas não há nada de Evangelion nele.

Antes de tudo, Pacific Rim (que em 2016 deveria lançar sua sequência, Maelstrom) é uma gigantesca carta de amor à um gênero que já cobri anteriormente - os super robôs - e ao seu “irmão mais velho”, os filmes de monstros gigantes (de onde o filme tirou o nome para os seus monstrengos, Kaiju). É um pastiche de obras muito mais velhas do que Evangelion, de 1996 - e das quais Eva é também um pastiche. E é importante lembrar: pastiche não é plágio. É seguir o mesmo molde, sem satirizá-lo ou desconstruí-lo. Um molde que vem sendo usado, neste caso, desde 1956.

E antes que digam que Eva é uma desconstrução do Super Robô: Evangelion não foi pensado como tal, ele se tornou isso por circunstâncias de sua produção. Anno é bem claro quanto ao que ele queria fazer: devolver o gênero as suas raízes. É inegável que Anno fez uma excelente desconstrução do gênero que ao mesmo tempo era uma reconstrução. Mas o nome dessa desconstrução e reconstrução do gênero é Top wo Nerae: Gunbuster.


GIANT ROBO

Comecemos do princípio: Pacific Rim tem por definição inspiração em duas obras clássicas de Mitsuteru Yokoyama, os mangás (posteriormente animados) Tetsujin-28-go e Giant Robo. Digo por definição por estes dois serem as bases do gênero. Publicados em 1956 e 1964, respectivamente, as duas séries de Yokoyama estabeleceram vários dos elementos centrais de super robôs. Aqui estavam o moderno Colossus, fruto da engenhosidade humana, como a única salvação contra ameaças além das forças mortais.

No entanto, essas duas obras (assim como muitas outras de Yokoyama) e Embaixador Magma, de Osamu Tezuka, são apenas a base da qual o gênero bebeu fartamente. Nessa base primitiva, os robôs gigantes eram controlados remotamente, seus inimigos raramente um páreo - quando não retirados diretamente dos filmes de monstros gigantes.

É seguro dizer que essas obras fizeram parte da criação de Pacific Rim, se não explicitamente, ao menos implicitamente. Da mesma maneira que fizeram parte da criação de Evangelion (e Eva bebeu com mais força de Giant Robo do que Pacific Rim: difícil não ver paralelos entre a maligna e sigilosa organização Big Fire, o similar conselho vago de vagosidade de Mars, e os conspiradores da Seele na obra de Hideaki Anno).
Fato curioso: nenhum dos membros
da Big Fire no OVA de Robô gigante
faz parte dela no Mangá - ou sequer
estava no mangá. 

MAZINGER Z
ROKETO! PAAAAANCHI!
Enquanto dos super robôs primevos (ou “da era de ouro” dos super robôs) o filme de Guillermo Del Toro sorveu-se apenas da essência, da obra seminal de Go Nagai a influência é muito mais visível. Mazinger Z, de 1972, é a obra que definiu o Super Robô. Do robô pilotado até os ataques especiais, tudo se origina no mangá que Nagai escreveu como forma de descarregar o stress da produção de Devilman.

A influência de Mazinger Z é visível particularmente no robô principal do filme, Gypsy Danger. A arma básica do Mazinger é o Rocket Punch  - um punho disparado por foguete - e Gypsy Danger conta com foguetes nos cotovelos (que infelizmente não disparam o punho como um míssil).

Os robôs de Mazinger Z eram controlados por pequenas naves que ocupavam o espaço do cérebro, os pilders - por sua vez, a cabeça da Gypsy Danger, munida dos pilotos, é disparada via foguete para unir-se ao corpo. O que muitos viram como referência aos entry plugs de Evangelion é na verdade a releitura “mais realista” dos pilders. E que lembra com mais intensidade os soldados parafuso de Gunnm do que os cilindros de entrada de Evangelion.

Por sinal, é de Mazinger Z que vem a conexão mental entre os pilotos e seus robôs, vista em ambas as obras. Ou melhor, é Mazinger Z que aplica isto em uma série de robôs. Na série de Nagai, Kabuto Kouji literalmente serve como o cérebro do Mazinger: Kouji sente dor quando o robô é danificado, o robô “ri” junto com ele, seus movimentos servem de base para o mecanóide, e qualquer distração pode fazê-lo perder o controle.  

BURESUTO FAIYA!!
Mas a inspiração mais visível de Mazinger em Pacific Rim é no peito de Gypsy Danger e no clímax do filme. O grande compensador de calor no peito do robô, que é utilizado no final do filme para matar o Kaiju de Classe V Slattern? Nada mais nada menos do que uma referência ao compensador em “V” no peito do Mazinger Z, que além de regular a temperatura do seu reator de energia fotônica servia para o seu ataque mais poderoso: Breast Fire.


BAROM ONE E COMBATTLER V

Barom 1: duas mentes em um.
Uma das coisas mais marcantes de Pacific Rim é o “Drift”, a maneira como as mentes de dois pilotos (ou três, no caso do Jaeger chinês Crimson Typhoon) se unem para comandar o gigante mecânico. Graças a cena em que Mako Mori perde o controle da Gypsy Danger, se enfiou na cabeça a ideia de que isso foi copiado de Evangelion - quando não há nada similar em EVA.

Mas de onde isso vem então? A resposta é Golgo 13 Choujin Barom 1, de Takao Saito. Publicada na Weekly Bokura Magazine em 1970, a história tratava de dois jovens, o atlético Takeshi e o nerd Kentaro que são escolhidos para enfrentar as forças do maligno Doruge se fundindo no super humano Barom 1. A fusão dos dois dependia de sincronizar os seus pensamentos e caso eles saíssem de sincronia o herói era incapaz de agir. A série foi homenageada em Kamen Rider Double (onde o herói é composto pelo detetive particular Shotaro e por seu assistente, o psíquico Phillip) e pode ter sido uma das inspirações por trás do clássico cult Genocyber, do incorrigível e ultra violento Koichi Ohata.

Combattler V: caso os pilotos não pensassem em conjunto,
o robô se desfaria. 
A ideia migrou para os robôs gigantes com Combattler V, de Tadao Nagahama (a série também foi a primeira a ter um robô formado por cinco veículos que se combinavam, estabelecendo o padrão posteriormente adotado por Super Sentai - incluindo o fato de nenhum dos veículos parecer qualquer coisa que não “um pedaço de um robô”). Na série de 1975, para viabilizar a combinação no robô super-eletro-magnético, era necessário que os pensamentos dos cinco pilotos estivessem em sincronia plena e caso algum deles saísse da conexão, a combinação falharia (ou seria desfeita).

A noção de “conexões neurais” cerca o gênero, e a forma específica que Pacific Rim as usa é muito comum. Está presente também nos robôs (não pilotados) de Gao Gai Gar, que dependem de sua “Sympa Rate” para combinar; no gigantesco S.R.X. de Super Robot Wars, mantido pelos poderes psíquicos de dois dos seus pilotos; e até nos combiners de Transfomers, Super Sentai e tantas outras séries.


GETTER ROBOT

A cena mais homenageada na história dos
robôs gigantes - há cenas parecidas
em Mazinger Z, mas não com o
mesmo tom.
As similaridades entre Pacific Rim e o clássico de Ken Ishikawa são superficiais, mas merecem nota. No filme de Guillermo del Toro, os monstros gigantes são ao fim revelados como armas biológicas de uma civilização alienígena e os Kaijus em si são ou responsáveis pela extinção dos dinossauros, ou eram dinossauros. Os invasores abandonaram a terra então, pois o ambiente não “lhes era adequado”.

Em Getter Robot, o primeiro grupo de vilões, o Império Reptilianóide, se refugiou nas profundezas da Terra quando o planeta se tornou “hostil demais”. Em seu retorno no presente, suas armas são os Mechasaurus, dinossauros dotados de implantes cibernéticos para servirem de armas (e mecanismo de controle). É possível que a referência aos dinossauros seja um homenagem a Getter Robot - ou pode ser só uma coincidência.

O famoso take da passarela ao lado da cabeça do robô, tão atribuído a Evangelion, no entanto, quase certamente vem de Getter Robo, se não for mais velha. (onde o mesmo esquema é usado seis vezes só no primeiro volume). A cena em questão também foi homenageada por Mobile Suit Gundam, todas as séries da "Saga dos Bravos" e praticamente tudo já feito de Robôs gigantes.

GODZILLA

Por último, das fontes claras de Pacific Rim (e das quais Evangelion também bebeu), temos o próprio gênero de filmes de Kaiju e seu representante mais notável, Godzilla/Gojira. Embora o gênero em si não seja japonês (nascendo no cinema com King Kong, em 1933, com histórias do gênero figurando na mitologia mundial), é inegável que o estilo é hoje predominantemente nipônico.

Não é só no nome dado aos monstros que a obra de Del Toro bebe destes filmes: o design de criaturas para Pacific Rim visa parecer ao máximo com algo que poderia ser uma roupa. Todos os Kaiju que aparecem no filme poderiam muito bem estar em um filme da Toho. Em particular, o primeiro monstro enfrentado por Gypsy Danger, o Knifehead, parece uma versão modernizada de Guiron (o monstro mais rídiculo já enfrentado por Gamera). Até os parasitas dos Kaiju (vistos em uma única cena) parecem homenagens ao gênero, lembrando Shockirus, os “carrapatos” do Godzilla em The Return of Godzilla (1985)

A noção de criar um “monstro mecânico” para enfrentar os monstros gigantes não é novidade e serviu de base para todo o gênero de “super robôs” e para o aspecto mais “lúdico” de Super Sentai. Mas nos filmes de monstro, isso começa com o Jet Jaguar, o andróide super poderoso de Godzilla vs Megalon (1973). A franquia teve robôs gigantes mais “tradicionais” na forma do segundo Mechagodzilla (Godzilla vs. Mechagodzilla, 1993) e MOGUERA (em Godzilla vs Spacegodzilla, 1994) e muitos, mas muitos, automatos e ciborgues do mal.

A franquia também teve sua própria leitura dos Evas de Evangelion na forma do Kiryuu/Mecha Godzilla III, de Godzilla against Mechagodzilla (2002) e de Tokyo S.O.S . (2003). Essa releitura do monstro mecânico é um clone do primeiro Godzilla, dotado de armaduras e armas cibernéticas para peitar a versão atual do monstro, e assim como os Evas, está longe de estar sob controle da humanidade.

GODANNAR


Agora, uma série com a qual Pacific Rim de fato se parece, e que tudo indica ser uma coincidência enorme (dado a obscuridade e o quão genérica essa série é - nada nela é “original”, salvo a estética, na qual o filme de Del Toro não é nada similar): Shinkon Gattai Godannar.

Em Godannar, os robôs gigantes são a única esperança contra os Mimesis, monstros de origem desconhecida que emergem do fundo do oceano, a partir de um portal no pacífico. Armas convencionais não são o bastante contra eles. Para enfrentar essa ameaça, bases e robôs foram construídos ao redor do mundo, pilotados por duplas (Godannar é, acima de qualquer coisa, sobre relacionamentos e sobre família) e dependendo da capacidade dessas duplas de operarem em conjunto. Nosso protagonista, Saruwatari Go, perde a parceira em combate contra um Mimesis no começo do primeiro episódio, da mesma maneira que Raleigh perde o irmão na primeira cena de Pacific Rim.

Esse é o tipo de coisa que estraga uma série bem escrita. 
Nada disso, no entanto, é uma novidade para o gênero, como já apontado antes. E Godannar se diferencia de Pacific Rim de formas muito... chamativas. Godannar é um caso de boa história arruinada por apelar para fanservice descarado. É uma série composta primariamente por peito&bunda, onde até alguns dos robôs são “gostosonas”.

E aí está. No fim das contas, há uma similaridade real entre as duas séries, além de obviedades do gênero: ambas lidam com organizações voltadas a “cancelar o Apocalipse” (frase dita literalmente pelo personagem de Idris Elba). Mas essa similaridade, além de superficial, é anulada por um fator importante: as duas organizações voltadas a “cancelar o apocalipse” em Evangelion visavam secretamente causá-lo.

Além disso, inúmeras séries de Super Robôs lidam com a mesma questão...

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O "Tio Sacana" dos Mangás, Go Nagai.

Nagai e sua criação mais famosa: MAZINGER Z. 
Todo fã de quadrinhos japoneses que se preze sabe quem foi Ozamu Tezuka, o “pai” dos quadrinhos e desenhos japoneses. Criador de obras memoráveis como A Princesa e o Cavaleiro, Astro Boy, Phoenix, Kimba o Leão Branco e Blackjack, Tezuka certamente merece o respeito que tem - e não só por ter fundado a indústria de quadrinhos japonesa como a conhecemos.


Mas outro nome extremamente importante para os quadrinhos nipônicos permanece desconhecido fora do Japão. O homem que é o Jack Kirby para o Joe Shuster de Tezuka. O homem que ousou ir onde os quadrinhos japoneses nunca iam. Que fazia o impossível e o implausível darem certo. Que acumulou mais obras terríveis e mais obras primas que a maioria dos autores fizeram em toda sua vida. O homem que fundou (e depois escrachou) gêneros inteiros: Go Nagai.


E sua obra prima: Devilman
Eu já falei de Go Nagai uma vez antes, quando escrevi sobre seu Magnum Opus, Devilman. No entanto, a importância de Go Nagai e a amplitude de sua obra vão muito além de Devilman. A melhor maneira de defini-lo é em comparação com Tezuka: se Tezuka é o “pai do mangá”, Nagai é o tio que dá os presentes que o pai não gosta.


Ou seja: enquanto Tezuka e companhia criaram o mangá como forma, Nagai foi quem deu os elementos de violência e erotismo que tantas vezes marcaram a indústria. Sem o "tio Go" é possível que não teríamos a onda de OVAs ultra violentos dos anos 80 (cujos autores foram confessamente influenciados pelo gordinho bonachão); não teríamos a abundância de fanservice que hoje domina a indústria (e talvez isso fosse algo positivo...); e não teríamos vários dos gêneros mais populares da animação e dos quadrinhos japoneses.

Violence Jack: possivelmente o Mangá mais violento
da História. Certamente o mais violento de sua
carreira.


O começo de carreira na comédia.


Jun, a Virgem de Ferro:
uma pornochanchada barata.
Nagai é um artista único, capaz de ampliar os limites da forma de maneiras nunca antes pensadas, e de baixar o nível da forma, também de maneiras nunca antes pensadas.Para cada obra genial como o supracitado Devilman, Mazinger Z e o altamente experimental X Bomber, há uma bizarrice semi-erótica como Iron Virgin Jun, Hanappe Bazooka e Dimension Hunter Fandora ou um shlockfest como Violence Jack e Juushin Lyger (embora o nível dos dois seja completamente diferente, e a violência de Lyger seja primariamente no anime), e tudo isso se mesclando a comédias como Oira Sukeban (delinquente travesti) e  Dororon Enma-kun (essa posteriormente reescrita como horror puro em Kikõshi Enma).


Nascido Kiyoshi Nagai em 1945, a paixão pela polêmica e a transgressão deu as caras no início da carreira, quando ainda era conhecido meramente como um autor de comédias baratas como Pansy-Chan. Em 1968, Nagai ainda não tinha nenhuma série em seu nome, quando foi convidado pela Shueisha para ser parte do elenco da sua primeira revista de quadrinhos: nada menos que a Shonen Jump. Sim: ele foi um dos primeiros nomes do que é hoje a principal revista de quadrinhos para garotos no Japão.


O controverso Harenchi Gakuen
Tendo que criar uma série para a nova revista, a resposta veio na forma de Harenchi Gakuen (Escola Sem-Vergonha, ou Escola Escandalosa), o primeiro mangá erótico, o primeiro Hentai, e o primeiro mangá a causar um “escândalo moral” no Japão. A meta de Nagai não era o eroticismo, mas sim abordar o grau de vergonha que os japoneses tinham ao lidar com sexualidade. Em 1972, Nagai foi forçado a encerrar Harenchi Gakuen, sob o risco de ser preso por atentar contra a moral pública (sim, em 1972, era possível ser preso por escrever algo “imoral”). Sua maneira de lidar com as acusações de imoraidade foi encerrar o mangá com uma invasão da associação Pais e Professores, membros do governo e “guardiões da moral” à escola, que se encerrava com todos os personagens sendo mortos.


Leão Negro: palavras desafiam descrever esse
misto de história de samurais, FC e sabe-se-lá o quê. 


Mudando a cena dos mangás


Cutie Honey: a primeira
heroína de um mangá
para garotos.
Um eterno precursor, Nagai explorou os limites do simbolismo religioso em Maou Dante, e aprofundou e valorizou esse recurso em Devilman, e em seguida o jogou no lixo da história com Violence Jack. Praticamente criou o Mahou Shoujo como gênero “universal” em 1974 com Cutie Honey (Honey foi a primeira mulher a protagonizar um quadrinho para rapazes, e a primeira história do gênero a se destinar a um publico mais amplo do que “meninas entre os 8 e 12 anos”) e o ridicularizou com Kekko Kamen (que satirizava super heróis, garotas mágicas, romances colegiais, e tudo mais). Fez o gênero fracassado dos Super Robôs dar certo com Mazinger Z (um quadrinho que escreveu para “aliviar o stress), escarneceu as histórias de crime com Abashiri-Ikka (título motivado em parte pelo pânico moral contra Harenchi Gakuen), e deu uma roupagem contemporânea para o folclore japonês com Susano-Oh e Shutendoji.



Majokko Tickle: uma "garota mágica"
tradicional.
Não que tudo que fez tenha sido “transgressor” ou “inovador”. Enquanto outros autores se contentam em serem conhecidos por sua maestria de um gênero, Nagai quis tudo. Dominou a forma das garotas mágicas com Majokko Tickle. Muito de sua obra foi composta por séries semi formulaicas de robôs gigantes, como Gakeen, Grendizer e Koutetsu Jeeg. Porém mesmo onde Nagai não se arriscava, ele demonstrou maestria da forma e do gênero.  

Nagai até chegou a escrever alguns títulos especificamente para o mercado ocidental, releituras de suas obras mais famosas para o gosto "americano". Nenhuma dessas ideias fez muito sucesso, a mais bem sucedida sendo Mazinger USA, que serviu de base para Z Mazinger (uma das muitas releituras do clássico). Também colaborou no roteiro da sequência de Vingador Tóxico (da lendária Troma Films), onde fez uma ponta - o filme foi um desastre...






Gaiking, a Obra que a Toei roubou. 
Em 1970, visando manter os direitos autorais sobre sua obra, Nagai e o irmão fundam a Dynamic Productions, um dos primeiros estúdios autorais do Japão. A primeira obra alheia publicada diretamente com o selo da Dynamic foi Gakuen Bangaichi, do autor de Getter Robo, de Ken Ishikawa. Sem gráfica própria, o estúdio de Nagai intermediava a produção de quadrinhos com as editoras, e garantia o retorno devido aos artistas. Da mesma maneira, a empresa intermediou a produção de animações junto a Toei até 1976, quando a gigante de animação roubou um projeto de Nagai, a série Daikyu Maryu Gaiking, e a creditou a Akio Sugino, para evitar pagar royalties. Nagai cessou todas as colaborações com a Toei e travou uma batalha legal por mais de dez anos. Ao fim das contas Nagai foi devidamente indenizado, e a Toei teve que pagar royalties novamente com a releitura de Gaiking em 2005.


Dimension Hunter Fandora: um dentre muitos Sci-fis genéricos
dos anos 80. 


Expandindo os limites da forma


Divina Comédia: um dos projetos
mais "artísticos" de Nagai. 
Embora seja indiscutivelmente o rei da parte “trash” dos quadrinhos japoneses, Nagai abundou em projetos artísticos. Escreveu mangás históricos sobre o período Sengoku; publicou uma série histórica, Sharaku, sobre a transição do período Edo para o período Meiji (final do século XIX) pelos olhos de uma jornalista; Escreveu uma obra breve sobre Clara Schumann e Johannes Brahms; escreveu e ilustrou uma adaptação completa da Divina Comédia, de Dante Alighieri; Isso tudo enquanto produzia dezenas de séries de animação e quadrinhos em todos os gêneros. Parte da liberdade para tanto veio justamente de “ser seu próprio patrão”.




A experimentação de Nagai foi muito além dos mangás e animes. Nagai também experimentou com os limites da produção em TV e impresso; seu X-Bomber usou o “supermarionation” de Gerry Anderson (Thunderbirds) para uma série de super robôs - o projeto não partiu de Nagai, mas o resultado tem muito do seu toque. Antes disso, Aztecaser misturou tokusatsu com animação para criar um super herói lutador de luta livre. O herói de Jushin Liger inspirou um lutador de luta-livre - que por sua vez levou Nagai a produzir um filme onde o lutador vira o personagem que encarna no ringue (é um filme muito estranho).

Mazinger Angels. Sem comentários. 
Em mais de quarenta anos de carreira, Nagai continua fazendo o que faz de melhor. Ainda hoje ele trabalha em mais sequências de Mazinger e Devilman, mais obras históricas e releituras malucas da mitologia, e mais comédias e séries de ação com uma pitada (ou um pote inteiro) de erotismo (como Mazinger Angels, uma releitura de Mazinger Z misturada com... AS PANTERAS?).

Claro, isso é um recorte muito superficial da carreira do "tio sacana" dos Mangás, mas acho que com esse breve recorte já se tem uma boa lista de leitura para acompanhar o trabalho dele, não? Go Nagai é de longe um dos mais versáteis criadores na indústria japonesa de entretenimento. É pouco provável que não haja alguma coisa na sua filmografia e bibliografia que não seja do agrado de qualquer um. Fica a dica.