quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Hokuto no Ken: a narrativa messiânica + kung fu + guerra nuclear

A narrativa messiânica tem uma imensa influência na ficção, especialmente na ficção heróica. E porque não teria? A figura messiânica nada mais é do que a forma mais extrema do monomito, o caso mais forte da jornada do herói, e a manifestação mais forte do personagem-como-idéia, ao invés de como pessoa. E como uma forma de narrativa heróica, os quadrinhos, os desenhos de ação, e a ficção científica tem sua boa dose de "figuras-de-cristo" e outros messias.

E é uma dessas figuras claramente messiânicas que pretendo explorar hoje: o messias do mundo pós apocalíptico, Kenshiro. É, eu estou falando de um mangá... alguém tem um problema com isso? Protagonista do épico de Tetsuo Hara e Buronson (sério, BURONSON), uma boa forma de resumir o Kenshiro é "Mad Max misturado com Bruce Lee e Jesus" - ou o Jesus do Kung Fu (embora esse título seja muito mais apropriado para o Toki). E como uma obra produzida por fora da ótica religiosa (e analisada fora dessa ótica, já que eu não sou religioso, nem um pouco) pode parecer ofensiva para alguns, mas que vale muito a pena.

Além do que, para os fãs de animes de artes marciais, é o que estabeleceu o gênero inteiro... e tem uma abertura tão ruim que é boa. 


E tirando jaquetas do nada.
Ao longo dos 27 volumes de Hokuto no Ken, Kenshiro passa a maior parte do tempo vagando de uma cidade destruída a outra, ajudando pessoas necessitadas e indefesas, explodindo bandidos (é, ele é um messias violento), enquanto procura por sua amada Yuria, em um mundo destruído por uma guerra nuclear. E é claro, dando esperança aos sobreviventes desesperançados.

*Manly Tears*
Ao mesmo tempo em que é um dos protagonistas mais brutais da animação e dos quadrinhos japoneses, Kenshiro também é um dos mais caridosos e empáticos - em ponto algum é movido por ganância, ambição ou egoísmo, mas sim por não suportar o sofrimento dos inocentes. E é notório pelo número de cenas em Hokuto no Ken que envolvem Kenshiro derramando lágrimas solitárias por aqueles que morreram.

Não espere personagens profundos em Hokuto no Ken, pois salvo raras exceções, os heróis são heroicos, os vilões perversos, e as motivações simples. As poucas exceções são ou heróis relutantes, ou pessoas bem intencionadas, mas corrompidas pelo poder ou pelo meio. E isso ajuda a aceitar quando Kenshiro "parte para ignorância": não há dúvidas de que o alvo da vez estava além de qualquer perdão. Cada declaração de "Você já está morto" (melhor one liner ever, por sinal) é plenamente justificada.

Mas os paralelos com a narrativa messiânica não são só no intenso altruísmo: Kenshiro faz "milagres", curando cegos, mudos e deficientes; várias vezes se aproxima da morte para reduzir o sofrimento dos inocentes; e no caso menos sútil, mais de uma vez é literalmente crucificado  - e é assim que começa a sua jornada: preso na cruz (na cena original do mangá, é preso em um poste, mas os OVAs e relançamentos transformaram o poste em uma cruz).

Raios, o Toki até parece com algumas imagens de Cristo.
Esse tipo de personagem é na verdade um clichê universal, parte do monomito, mas no caso de Hokuto no Ken, a inspiração na narrativa cristã é declarada. E o messianismo é perceptível em outros dois personagens de Hokuto no Ken: Raoh e Toki - os irmãos de criação do Kenshiro. Enquanto Raoh incorpora o lado mais "sombrio" da narrativa messiânica - embora busque trazer ordem ao mundo, essa tentativa é através de um líder forte, um discurso único, e uma verdade suprema - Toki traz o lado mais empático e caridoso desse tipo de mito: enquanto Kenshiro se dedica a proteger os fracos, curar os doentes e derrotar os maus, Toki se foca quase completamente em reduzir o sofrimento e curar os necessitados.

E ambos morrem para salvar o mundo: Toki deixando que Raoh o mate para mostrar a Kenshiro o caminho para derrotar Haoh, a morte de Haoh é ainda mais "salvadora". Derrotado pelo irmão, emocionado em ver como Kenshiro cresceu, ergue os punhos em direção aos céus, proclama ter vivido sem um único remorso, e.. absorve toda a radiação do ambiente, virando pedra (era um mangá dos anos 80, física e lógica não existiam ainda). E este ato final ainda é marcado pelas nuvens se abrindo, expondo pela primeira vez em anos a luz direta do sol.

Bem, não tenho uma periodicidade para isso, como sempre, mas esperem ver por aqui mais artigos com analises mitológicas de narrativas de quadrinhos e TV. E para quem se interessa por Hokuto no Ken, mas não tem tempo ou paciência para ler o mangá todo (ou a primeira metade, já que pós Haoh fica um porre), a parte que importa foi resumida em Hokuto Musou/Fist of the North Star: Ken's Rage, para o PS3 e o Xbox 360.

2 comentários:

  1. Certa vez um amigo meu definiu HNK como "novela pra macho", por mais que a narrativa seja cansativa, a historia é emocionante, como não simpatizar com o Ken? Ele é oque todo homem queria ser Bruce Lee+stalone cobra no futuro do mad máx.
    A parte messiânica do manga é muito forte mesmo, mas eu desconfio que não seja uma tentativa tão direta e sim uma consequência, HNK é muito, mais muito mesmo inspirado nos filmes de faroeste, não só na ambientação, veja que muito da narrativa e dos plots remetem a clássicos como a trilogia do dólar (pra pegar o exemplo mais explicito), union, meu ódio será tua herança, etc... Vale lembrar também que na época os filmes de Bang-Bang faziam muito sucesso por lá. E como muito desses filmes tem esse tom "Salvador milagroso que vem salvar os fracos" isso se estendeu para hokuto, é claro que os autores ainda colocaram mais desse aspecto "Jesus" no kenshiro de propósito.

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  2. COM CERTEZA HNK E UM DOS MELHORES MANGAS/ANIMES A SEREM PRODUZIDO A HISTORIA E MUITO BOA PRINCIPALMENTE NOS FILMES O QUE REALMENTE DA UM TOQUE NA SERIE E O KENSHIRO E SUAS ALUSOES.


    OBS: realmente e uma novela pra macho... :D

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