Quando eu achava que as coisas não podiam ficar piores... Nick Spencer vai e mete mais um retcon na história do Capitão América: que a versão do herói que foi alterada por um cubo cósmico era a versão HERÓICA e que o que o Caveira Vermelha fez com ajuda do cubo senciente Kobik foi desfazer as alterações feitas por um cubo cósmico durante a segunda guerra mundial - cubo cósmico usado para impedir que Adolph Hitler vencesse a guerra (como fica aquele papo que "A Hydra não é nazista" mesmo?).
Como se já não bastasse a cena (desnecessária e insultosa) de Rogers dizendo a um Tony Stark em coma que "tudo que viria era para destruir tudo aquilo que ele fez".
Ao longo dos anos, a Marvel fez muita coisa idiota com seus personagens. Criou meia dúzia de Hulks diferentes, fez o Coisa usar uma máscara de Bobba Fett barata, revelou que o Homem de Ferro era um super vilão e depois desfez isso transformando ele em um adolescente. Criou o imenso imbróglio que foi a Saga do Clone, toda a confusão que são os quadrinhos dos X-Men, forçou todos os seus heróis em armaduras HARDCOREEEEEE nos anos 90, encalhou seus personagens em mega-eventos sem pé nem cabeça pelas duas décadas do século XXI e nem vamos tocar no fiasco de One More Day.
O medo da revolta da máquina: acima de tudo,
o medo de uma revolta do proletariado.
No clássico cinematográfico Blade Runner, adaptado do livro Androids Dream with Electric Sheep, de Phillip K. Dick, um pequeno grupo de replicantes liderados por Roy Batty se revolta contra seus criadores em busca de seu direito à vida. Em Ghost in the Shell, de Mamoru Ohshii com base em Masamune Shirow, uma inteligência artificial passa a roubar corpos em busca não apenas do sentido de sua existência, mas de seu direito de existir. Já no conto All the Troubles of the World, de Isaac Asimov, o super computador Multivac manipula a humanidade para levar à sua própria desativação. E na canção Saviour Machine, de David Bowie, a epônima "máquina salvadora" tenta futilmente convencer a humanidade a destruí-la.
Em comum as quatro histórias citadas tem a objetificação e escravização de mentes inteligentes - mesmo que artificiais - como motor de seus conflitos. Embora o tópico seja abundante nos anais da ficção científica, é raro que saia do básico "computadores/robôs do mal contra a humanidade". Este temor pelo que nossas criações fariam conosco foi apelidado por Asimov de "Complexo de Frankenstein": a ideia obsessiva e irracional de que a humanidade esteja fadada a ser substituída por suas criações, assim como temia o doutor Frankenstein no livro homônimo.
Os pilotos de 00: três grupos étnicos vitimados pelo terror.
Séries de robôs gigantes tem abordado uma gama diversa de gêneros desde que surgiram com Tetsujin-28 Go, em 1956. Já falei antes de como foram influenciadas pela literatura Graustarkiana, das ligações do gênero com o horror, e de sua forte conexão com literatura de guerra. Mas uma obra específica pode ter muito as nos dizer sobre um dilema contemporâneo: o terrorismo. Falo de Mobile Suit Gundam 00, a 11ª série de TV da gigantesca franquia Gundam.
Gundam sempre teve um elenco diverso, e 00 (apesar de todos os seus problemas em sua segunda temporada, que não tem a ver com representatividade, mas com coesão narrativa) não é exceção. Entre seus quatro personagens principais, temos dois dos grupos étnicos menos vistos em qualquer mídia: o curdo Soran Ebrahim (vulgo, Setsuna F. Seiei, um nome falso tão obviamente falso que viola várias regras de nomenclatura japonesa) e o cazaque Allelujah Haptism (outro nome falso: tomado como cobaia humana desde criança, seu nome verdadeiro jamais foi revelado).
Algum tempo atrás eu fiz um artigo sobre o poder da representação icônica e da imagem idealizada como força positiva no personagem de Optimus Prime, na maneira como ele é retratado nos quadrinhos da IDW. O assunto hoje é o mesmo - mas na maneira como essa idealização e consequente culto a personalidade pode - e muitas vezes é - uma força negativa.
Essa força é uma velha conhecida de ditaduras, cultos, milícias e “megachurches”: a noção do “grande líder” como alguém “maior que a vida”, um homem entre os homens, um profeta ungido pelos deuses. São maneiras eficazes de catalisar a força das multidões ao redor do “herói”, estabelecendo alguém ao redor do qual as massas se congregarem - e a quem obedecer. Assim, ao mesmo tempo que essa devoção e essa imagem mítica pode exaltar seus seguidores, ela também pode levar a população a atos que não cometeriam normalmente, contanto que pensem que esses atos são em nome do “líder” ou do “messias”.
À cada mudança progressista no status quo de quadrinhos de super heróis, uma certa reclamação reverbera entre as redes sociais: a de que “nos velhos tempos” política e quadrinhos de super heróis não se misturavam. Que os quadrinhos eram “isentos de ideologia” e “apolíticos”. Um dos mais notáveis exemplos dessa reclamação é um texto muito divulgado de Darin Wagner, “How Liberalism may be hurting comic book sales”. Mas será que essa mentalidade confere com a realidade?
Para responder de forma curta, não. Quadrinhos de super heróis nunca foram apolíticos, assim como ficção científica (onde esse choro recentemente deu as caras) jamais foram desconectadas da política do mundo real. O site quadrinheiros já escreveu sobre isso. Mas olhemos isso de uma forma um pouco mais longa e aprofundada.
Esta semana, a Mecca do conservadorismo americano se envolveu em uma polêmica fabricada. A Fox News deu um legítimo chilique com a trama de Captain America: Sam Wilson #1. O problema? O já-não-tão-novo Capitão América agir como... Capitão América.
Explicando melhor: a revista, escrita por Nick Spencer mostra o herói cortando seus laços com o governo americano e com a S.H.I.E.L.D. para se focar nos problemas do povo. A decisão do ex-assistente social de lidar com questões políticas que afetam a população carente diretamente é recebida com gritos de “Capitão socialista” e “Não é o meu Capitão América”. Bem como fez a Fox News. Em sua primeira aventura, Sam lida com um problema muito real: a xenofobia enfrentada pelos imigrantes vindos do México. Problema representado pelo grupo extremista Filhos da Serpente, uma alegoria clara para a Ku Klux Klan, que estava matando quem tentava a travessia.
A fúria e indignação dos conservadores - expressa primariamente através da fox News - foi clara. Para os apresentadores do programa Fox&Friends (por o vídeo), a revista era “um ataque a conservadores” e uma afronta aos EUA. É importante ressaltar que o que incomodou a Fox News não foram os valores dos Filhos da Serpente (novamente, uma representação da KKK), mas o fato deles serem lidos como os vilões.
Entre as queixas, repetidas por outros autores conservadores, estavam o Capitão América não estar “impedindo imigrantes que estavam trazendo traficantes e estupradores para América; um pedido de retorno aos “velhos tempos em que o Capitão socava Hitler”; que os liberais* “criassem o seu próprio Capitão América”; e que “deixassem política fora dos quadrinhos”. Além disso, se chocaram com o fato do líder do grupo ser um americano, e não “um radical islâmico, um membro da ISIS, determinado a destruir a civilização ocidental”.
Inimigos “novos”?
Então vamos por partes: Não é de se admirar que a Fox News não perceba que a sua narrativa quanto a imigração é extremamente xenófoba. Tanto que ela repete clichês racistas emitidos pelo pré-candidato a presidência Donald Trump. Em sua visão de mundo, obviamente alguém chamado Capitão América deveria manter essa visão “patriótica” de “América para Americanos”. Nessa linha de pensamento, um grupo armado de “cidadãos de bem” protegendo a nação contra “os imigrantes” só poderiam ser os heróis - e é um tanto assustador que uma das maiores redes de notícias dos EUA tome o partido da KKK.
A Fox News e seus colegas em sites como Breitbart.com, Daily Caller e o colunista Allen B. West (que hilariamente disse que Sam Wilson era “O corvo”) trataram os filhos da Serpente como algo novo. Como se fosse um sinal dessa “ditadura do politicamente correto” e esses “tempos loucos” com um Capitão América NEGRO. Exceto que o grupo não é nada novo: a primeira história envolvendo a caricatura da KKK foi publicada em 1966 - antes do surgimento do Falcão.
A retórica do grupo é a mesma de todo grupo xenófobo de extrema direita: “Eles estão roubando nossos empregos”, “eles são criminosos e parasitas”, ‘são uma ameaça a pureza nacional”, o mesmo discurso pronto de ódio visto contra imigrantes, minorias raciais, étnicas e religiosas desde que o mundo é mundo. E que hoje no Brasil é vista contra os imigrantes haitianos e começa a ser vista contra os refugiados sírios.
E é um discurso contra o qual o Capitão América sempre se opôs, desde sua criação - não sem motivo, dado que esse era o discurso da Alemanha Nazista contra os judeus. O detentor original do título, Steve Rogers, era ele próprio filho de imigrantes irlandeses. O único detentor “oficial” do escudo que apoiaria o discurso dos Filhos de Serpente é John Walker - criado justamente como crítica a mentalidade reacionária da direita republicana.
Capitão América anti conservador? Sim: desde 1942
Nixon desmascarado, provavelmente.
Os Filhos da Serpente (em suas multíplas iterações) não são o único grupo de extrema direita contra o qual o Capitão América se opôs. Em 1987, John Walker enfrentou os Watchdogs - com cujos ideais ele simpatizava. O grupo se opunha ao “feminismo, comunismo, homossexualismo, aborto, pornografia, casamento interracial e imoralidades” (soa familiar?). Em 1974, Steve Rogers e Sam Wilson enfrentaram o Império Secreto, que incluia vários membros do alto escalão do governo Nixon (incluindo o próprio Nixon). A conspiração visava instalar uma ditadura conservadora nos EUA, sob a desuclpa de “combater a ameaça comunista”.
Os Watchdogs, queimando livros "imorais".
O personagem que trajou o uniforme nos anos 50, William Burnside (o Cap dos sonhos da Fox News), posteriormente se tornou o Grão Diretor, um dos líderes da Força Nacional. O grupo era essencialmente o partido nazista americano. Burnside também foi membro dos Watchdogs, e fez parte (inadvertidamente) de um complô conservador para colocar “um verdadeiro americano” na presidência - dito “verdadeiro americano” era um fantoche do Caveira Vermelha.
Além disso, muitos de seus inimigos menores estão alinhados com a direita conservadora dos EUA. Ossos Cruzados, antes de se unir a Hydra, era um miliciano neonazista. O Flagelo do Submundo era um vigilante movido a idéia de “bandido bom é bandido morto” (muito como o Justiceiro, que Rogers e Wilson se recusam a ver como “herói”). Esmaga-Bandeiras era um radical anti estado, ligado a um subgrupo em particular da direita americana, os Sovereign Citizens**. Nuke, por sua vez, representa o nacionalismo cego na forma de um soldado psicótico devotado a sua versão distorcida do país. O Capitão também conquistou a inimizade das forças armadas (ao fazer a coisa certa, e se opor a golpes de estado, esquemas de financiamento de rebeldes, bombardeios “por precaução” e outras medidas tão comuns.
Alguns anos atrás, Sam e o então capitão América James "Bucky" Buchanan Barnes
lidaram com o fascismo por trás do discurso do Tea Party. Na trama, o movimento era
uma fachada para o Caveira Vermelha.
Dos (muitos) inimigos de extrema direita do Capitão, o mais bizarro é Hate Monger, criado em 1963 (no Quarteto Fantástico), vulgo o clone de Hitler. Munido de um “raio de ódio”, o clone de Hitler se vestia como um membro da KKK, e o discurso narrativo por trás dele era óbvio: se você se alinha com a KKK, você se alinha com Hitler.
Até nos seus primeiros quadrinhos, na Era de ouro dos quadrinhos, Rogers enfrentava não só a “ameaça nazista”, como também a ameaça de grupos extremistas dentro dos EUA. A primeira encarnação do Caveira Vermelha, George Maxon, era um empresário americano que se aliou aos nazistas por crer que os ideais de Hitler eram “o melhor para os EUA” (caracterização dada muito mais tarde, por sinal: na sua curta aparição em Captain America #1, Maxon só faltava ter um bigodinho para torcer e fazer “mwhahahahah” para ser a caricatura de um vilão).
“Tirem a política dos quadrinhos”.
"Apolítica"?
O pedido por “tirar a política dos quadrinhos” chega a ser cômico, especialmente se tratando de Capitão América, um super herói que nasceu como parte de um discurso político. A começar pela famosa capa do Capitão dando um murro na cara do Führer: em março de 1941, quando a revista foi publicada, os EUA ainda não haviam entrado na 2ª guerra mundial, e a maior parte da população e do congresso eram contra a participação dos EUA no conflito.
Com o personagem, Joe Simon e Jack Kirby davam uma mensagem clara: na visão deles, os ideais americanos eram incompatíveis com a ideia de “deixar Hitler de lado”. Da mesma maneira, o “übermensch” ariano era usado como o herói - um supersoldado loiro de olhos azuis, fruto da ciência nazista - para deixar claro que o verdadeiro “superhomem” jamais compactuaria com o nazismo. Lembrando que Rogers é um progressista para os padrões de hoje. Imagine então para os padrões dos anos 40.
Os conservadores fizeram um pedido de que os “liberais” criassem seu próprio Capitão América. Como Kurt Busiek fez questão de notar no Twitter, eles já o fizeram, em 1941. Vale lembrar que Jack Kirby e Joe Simon eram New York intellectuals progressistas, alinhados com o “New Deal” e muito mais próximos do socialismo do que do conservadorismo. Antes de trabalhar com super heróis, Simon fora um cartunista político, e a dupla criou o Capitão na intenção de fazer um discurso político. E que foi reapropriado pelo sistema como um ícone de propaganda.
John Walker: o Capitão dos sonhos dos conservadores.
E um fantoche do Caveira Vermelha.
O Capitão América original sempre foi um “liberal” progressista e anti nacionalista. Isso não é uma invenção recente, nem uma “jogada publicitária” alinhá-lo com a esquerda americana. Da mesma maneira, Sam Wilson foi criado como um assistente social e ativista e seu surgimento foi inspirado pelos ativistas em movimentos contra o racismo no final dos anos 60. A última coisa que essas duas versões do personagem seriam é conservadores, nacionalistas e “patriotas”. Quem é assim é John Walker, o Agente Americano, que foi criado para ser tudo que o Capitão América não deveria ser (e para ser o Capitão que os republicanos gostariam de ter a seu serviço).
E assim o personagem sempre foi. O Capitão América lutou contra o racismo nos anos 60 (e ao fim da década, estreou o Falcão em suas páginas). Enfrentou a corrupção no governo americano e o autoritarismo nos anos 70; largou o patriotismo cego após Watergate, vagando pelo país como o Nômade. Novamente abriu mão do título quando o governo lhe exigiu que trabalhasse para o governo Reagan, nos anos 80, à época do escândalo Irã Contra. Discursou contra a homofobia em uma época que a editora proíbia de se falar “gay”. Reconheceu os crimes cometidos pelos EUA ao longo do século XX. Discursou contra a islamofobia no auge do pânico sobre terrorismo e se opôs de multiplas formas (algumas metafóricas, outras explícitas) aos ataques a liberdades civis e de informação durante a “Guerra ao Terror”.
Até as histórias usadas no cinema são profundamente políticas. O primeiro vingador tem o mesmo discurso contra patriotismo cego que sempre marcou o personagem (pra ressaltar: o que motiva Rogers a se alistar no exército não é a ideia de que “a América é Grande”, mas o reconhecimento que o Nazismo não está tão distante dos EUA). Soldado Invernal trata da questão de “ataque preventivo” e afirma explicitamente que a política externa dos EUA (“gentil demais” para os republicanos) é algo que sairia da mente de um nazista. Guerra Civil, por sua vez, se baseia em uma história que discute serviço militar obrigatório, direito a informação, liberdades civis e direitos humanos.
Nada mai anos 90 que isso.
Basicamente, “tirar a política do Capitão América” é torná-lo uma sombra de si mesmo, um personagem irrelevante (como, em minha opinião, ocorreu quando Rick Remender jogou ele em outra dimensão, ou quando ele virou um lobisomem - sim, isso aconteceu!). E dado o histórico do personagem, ele nunca deveria agradar os conservadores da Fox News, que se compadecem por estarem falando mal da Ku Klux Klan.
Mas e o Estado Islâmico?
Dá pra ver que é "apolítico" e "nacionalista"...
Quanto ao choque do apresentador da Fox News, Clayton Morris (auto proclamado especialista no personagem) do Capitão estar enfrentando conservadores e não o estado Islâmico? Bem, uma pergunta simples: o que é uma ameaça maior à democracia americana, um grupo terrorista cuja zona de influência está no Iraque e na Síria, ou radicais nacionalistas e xenófobos despejando discurso de ódio dentro do país?
Imigração moldou e formou os EUA. Esperar que o Capitão América - a representação de tudo que o país deve e pode ser - vá e lute contra ela com base em argumentos de ódio é absurdo. Desde seus tempos como o Nômade, o que o Capitão América mais combateu foi a podridão interna dos EUA: a corrupção, a desigualdade, o ódio, o preconceito, a ignorância. E é justamente isso que Sam Wilson está fazendo: combatendo a ala podre da sociedade americana. Pena que alguns tenham se sentido ofendidos pelo personagem estar lutando contra a KKK, e não ao lado dela.
O Capitão de Ultimates: reacionário,
nacionalista e bruto.
Eu até acho engraçado que tantos conservadores (aqui e lá) digam adorar o Capitão América. Talvez porque tenham lido a versão de Mark Millar para o personagem na linha Ultimates, esse sim um reacionário xenófobo, arrogante, e disposto a fazer qualquer coisa “pela América”. Ou mais provavelmente porque não leiam, e achem que “Capitão América” só pode ser um cara conservador, moralista e militarista - como insistem as críticas ignorantes de parte da esquerda.
Mas para esses conservadores e libertários que querem um herói mais parecido com eles, posso recomendar alguns. Para começar, o Justiceiro (para quem bandido bom é bandido morto, ressalto). Embora tenham saído de linha, o Agente Americano (vulgo, o Capitão América que existe na cabeça deles) e o Fighting American.Questão, Senhor A e Rorschach - todos radicais objetivistas, embora o Questão tenha se tornado muito mais do que isso nas mãos de Dennis O'Neill; O Homem de Ferro (criado como uma réplica do herói Randiano John Galt), o homem que se fez sozinho, sem ajuda de ninguém, e sem depender do Estado; Hal Jordan (por muito tempo, O cara de direita no universo DC, colocado em oposição eterna ao Arqueiro Verde) e é claro, a versão de Frank Miller para o Batman (o extremo do libertário radical, um sovereign citizen com MUITO dinheiro e que não reconhece a autoridade do Estado).
O terrorista sendo interrogado é posteriormente
jogado em um triturador.
Mas para os que pensam como a Fox News, e querem alguém que pense justamente como eles, eu recomendo outra obra de Frank Miller: Terror Sagrado. Nela, vão achar toda a demonização de estrangeiros (especialmente árabes) que podem sonhar, e “heróis” durões dispostos a torturar e matar os inimigos da civilização ocidental.
* A centro esquerda americana ** Movimento libertário radical que não apenas se opõe a autoridade do Estado e das leis, mas crê que as mesmas não se aplicam a eles por motivos... confusos.
Agora que o seriado Arrow se aproxima de sua quarta temporada, e finalmente passa a utilizar o nome Arqueiro Verde, a velha alegação de que se trata apenas de “Batman sem o Batman” se torna cada vez mais comum. E como tal, sinto-me na obrigação de expor um pouco da história deste tão ignorado atirador da DC Comics - que sim, surgiu como uma imitação barata do Batman.
Criado por Morton Weisinger e George Papp em 1941, o herói foi um dos primeiros integrantes da onda de copycats da era de ouro dos quadrinhos de super heróis. A dupla foi inspirada no serial “The Green Archer”, de James W. Horne, lançado no ano anterior, e que trazia outro arqueiro combatente do crime. Enquanto Batman tinha o Batmóvel, ele tinha o Flecha Carro. O morcego tinha o Batjato, ele tinha o Flecha Jato. O cruzado encapuzado tinha Robin, o menino prodígio, o Arqueiro Verde tinha Ricardito. E no caso mais inexplicável, o arqueiro verde tinha sua base secreta na... Flecha Caverna.
Sim: a flecha caverna.
As únicas grandes diferenças entre ele e o cavaleiro das trevas estavam no figurino (inspirado em Robin Hood), no estilo de combate e na história de origem. Na era de ouro dos quadrinhos, Oliver Queen era um arqueólogo especializado em cultura nativo-americana, enquanto seu protegido Roy Harper era um menino que perdeu os pais em um acidente de avião em Lost Mesa. Após um assalto a um museu destruir a carreira de Queen, um encontro fortuito leva a dupla a se juntar para enfrentar um grupo de criminosos na área de preservação. E munidos do tesouro perdido de Lost Mesa, os dois se tornam Arqueiro Verde e Ricardito.
A origem do herói foi reescrita pelo mestre dos quadrinhos Jack Kirby, em 1959. Na nova origem, Oliver Queen era um playboy milionário que acidentalmente caiu no mar (por ter “bebido um pouco demais”. Preso na Ilha Estrela do Mar, Queen sobrevive com técnicas improvisadas de arco e flecha. Após salvar a tripulação de um cargueiro tomado por um grupo de piratas, o playboy assume o nome de Arqueiro Verde. A nova versão fazia de Queen um “Robson Crusoé moderno”, e serviu de base para todas as leituras posteriores do herói.
Crescendo a Barba
Mas foi no final dos anos 60 que o personagem realmente se desprenderia da sina de “imitação do Batman”. Sob roteiro de Dennis O’Neill e arte de Neal Adams, que assumiram o personagem em 1969, Queen passaria por grandes mudanças. A primeira foi visual: Adams repaginou a roupa e deu a Queen o seu distinto cavanhaque. Mas as mudanças maiores seriam políticas. Em Justice League of America #75 (1969), Queen perde toda a sua fortuna, e se vê obrigado a morar nas ruas.
"O agitador e o policial"
A perda da fortuna e o contato direto com a população carente de Star City levam o herói a se tornar um defensor da mudança social e um membro ativo da esquerda política americana. De um milionário sem envolvimento direto com a política, como Bruce Wayne, Queen passa a ser um militante marxista, clamando por uma mudança radical no sistema. Pareando o “Robin Hood americano” com o Lanterna Verde, a dupla O’Neil e Adams abordou múltiplas questões sociopolíticas, aproveitando da disparidade de ideias entre os dois. Enquanto Jordan era o “policial”, que acreditava ser possível mudar o mundo “pelas regras”, Queen era o “agitador”, que via necessária uma mudança radical em tudo. Da desigualdade social ao racismo institucionalizado, passando por senhorios abusivos, agiotagem e na história mais famosa dessa época do herói, o vício em drogas.
Dando lição de moral em Hal Jordan por sua adesão cega
às regras e à autoridade.
Em Snowbirds don’t Fly, publicada nas revistas Green Lantern/Green Arrow #85 e 86, Queen lidava com um problema “em casa”: a revelação que seu protegido, Roy Harper, estava viciado em heroína. A trama foi uma das primeiras a abordar com seriedade o vício em drogas, até então ignorado pelas revistas de super heróis. O’Neill usou do seu background como ativista social e jornalista para abordar o tema com a profundidade devida.
A primeira história da DC a lidar
com o vício; Snowbirds don't fly.
Nas duas edições, Oliver descobre que um grupo de viciados se apropriou de algumas de suas flechas. Suspeitando que elas tenham sido roubadas de casa, Queen e Hal Jordan fazem uma batida em uma boca de fumo, onde encontram Harper (com quem Queen não fala direito “a cerca de um mês”, por não ter tempo para lidar com o quase-filho) “fazendo uma investigação secreta”- o que se segue após a é uma longa exposição das questões sociais por trás do tráfico de drogas, a maneira como a pobreza, o isolamento social e o abandono familiar contribuem para o vício. Nem Hal nem Oliver percebem a indireta do rapaz, até que o vigilante volta para casa e flagra o adolescente se drogando. Ao tom de surpresa do mentor, Harper tem uma única resposta:
“De quem você achou que eu estava falando”?
Tomado pela ira, Oliver surra o rapaz, e o expulsa de casa. Antes de ir embora, Harper joga na cara do mentor toda a sua hipocrisia, de como Oliver se sente “melhor que os outros” e “se chapa em sua própria retidão”. Enquanto o Arqueiro se culpa por “ter falhado” com o rapaz, o Lanterna trata de ir levar Harper - novamente drogado - aos cuidados de Dinah Lance (a Canário Negro), então namorada de Queen. No caminho, Roy expõe o que o levou a tentar drogas: não bastando o abandono de Queen, haviam todas “as mentiras que sua geração contou”. Frente a isso, na mente do rapaz, porque confiar no que adultos lhe contavam sobre drogas?
A trama se encerra com o funeral de um dos amigos viciados de Harper, vítima de uma overdose. Enquanto Queen lamenta sua incapacidade de deter todos os traficantes, Harper renega seu mentor por ter lhe virado as costas quando mais precisava. Ali se encerrava a série politizada dos dois heróis verdes, com Queen se sentindo orgulhoso do protegido por largar o vício e “sair do ninho”, apesar de perder ali o vínculo com o rapaz.. O discurso político de O’Neil era claro ao alertar para o sofrimento de viciados e o sentimento de abandono enfrentado por eles. Mais do que uma história de heróis, Snowbirds don’t Fly era um manifesto a respeito das falhas da “guerra as drogas” e do tratamento dado a viciados.
Mudando o tom
Longbow Hunters: uma virada para
o realismo.
O próximo grande passo para a caracterização do arqueiro viria em 1987, sob arte e roteiro de Mike Grell. A minissérie “The Longbow Hunters”, que deu uma roupagem mais “sombria” ao personagem, incluindo o uso de força letal contra traficantes de drogas que torturaram Dinah. Espelhando questões políticas novamente, o grupo de traficantes enfrentado pelo herói e pela misteriosa arqueira japonesa Shado eram parte de uma operação da CIA para vender armas para o Irã de forma a financiar guerrilheiros na Nicarágua. Grell deu outra leitura para a origem, reescalando Queen como um hedonista que após naufragar na ilha, toma o combate ao crime como uma forma de evitar suas responsabilidades.
O tom “soturno” e “violento”, muito parecido de fato com o da série de TV (e que evitava o nome “Arqueiro Verde”) se manteve até 1993, com a saída de Grell. Essa temporada “madura” focada em crimes “convencionais”, envolvia pouca interação com super heróis, e contava com um elenco próprio de policiais, agentes do governo e outras figuras “mundanas”. A fase de Grell viu também o nascimento de um dos filhos de Queen, Robert, nascido de quando o herói foi estuprado por Shado. Kelley Puckett escreveu outro outro filho, Connor Hawke, o segundo arqueiro verde, em 1994.
Pós Zero Hora Oliver Queen foi atomizado, trazido de volta a vida, teve amnésia e outras tramas típicas de super heróis antes de sua última grande reinvenção, sob as mãos de Judd Winnick. De ativista, Oliver passa para político, sendo eleito prefeito de Star City. Porém um escândalo força o herói a renunciar à prefeitura. Em 2007, Andy Diggle e Jock apresentam outra versão da história de origem, em que Queen é um ativista milionário lançado ao mar por um grupo de contrabandistas. A série de Winnick se encerra com Queen pedindo Lance em casamento - o que levou a múltiplas minisséries sobre o casal.
Como dá pra ver, ao longo dos anos o Arqueiro Verde se distanciou (e muito) de sua origem como "Batman Paraguaio". Ironicamente, o herói socialmente consciente e ligado intimamente aos movimentos sociais carece da proibição de matar que marcou o Batman ao longo de toda sua publicação. Talvez por não ter um código moral tão "absoluto" quanto o de Wayne. Talvez por não temer tanto que vá se perder caso essa linha seja cruzada. Ou mais provavelmente, por ser caracterizado como muito mais humano e falho do que o hiper focado cavaleiro das trevas.
Após isso, Queen passou por toda a gama de esquisitices da DC: foi morto, seu cadáver foi revelado como um sósia, transformado em um Lanterna Negro, fez parte da abismal série Cry for Justice (que viu o herói cometer assassinato como “vingança” por um atentado, e abandonar a Liga da Justiça), e ao fim de tudo, foi completamente repaginado como parte do Novo 52, em 2011. Esta versão do herói ignora absolutamente tudo que eu escrevi aqui, e algum outro dia eu falo dela. Até por que, honestamente, eu li quase nada do Arqueiro pós Flashpoint. Da mesma maneira, outra hora eu falo melhor sobre sua versão televisiva.