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quarta-feira, 8 de março de 2017

O medo dos robôs e o medo de uma revolução

O medo da revolta da máquina: acima de tudo,
o medo de uma revolta do proletariado.
No clássico cinematográfico Blade Runner, adaptado do livro Androids Dream with Electric Sheep, de Phillip K. Dick, um pequeno grupo de replicantes liderados por Roy Batty se revolta contra seus criadores em busca de seu direito à vida. Em Ghost in the Shell, de Mamoru Ohshii com base em Masamune Shirow, uma inteligência artificial passa a roubar corpos em busca não apenas do sentido de sua existência, mas de seu direito de existir. Já no conto All the Troubles of the World, de Isaac Asimov, o super computador Multivac manipula a humanidade para levar à sua própria desativação. E na canção Saviour Machine, de David Bowie, a epônima "máquina salvadora" tenta futilmente convencer a humanidade a destruí-la. 

Em comum as quatro histórias citadas tem a objetificação e escravização de mentes inteligentes - mesmo que artificiais - como motor de seus conflitos.   Embora o tópico seja abundante nos anais da ficção científica, é raro que saia do básico "computadores/robôs do mal contra a humanidade". Este temor pelo que nossas criações fariam conosco foi apelidado por Asimov de "Complexo de Frankenstein": a ideia obsessiva e irracional de que a humanidade esteja fadada a ser substituída por suas criações, assim como temia o doutor Frankenstein no livro homônimo. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Os Robôs e a Guerra.

Algum tempo atrás eu falei de dois dos gêneros que se mesclaram à malha dos robôs gigantes. Primeiro, da relação entre o gênero e o horror, e depois de sua estranha e prolífica relação com a literatura aristocrática da virada do século XIX para o XX. Agora, mais uma vez, abordo a questão para trazer aquele que é um dos dois grandes gêneros de robôs gigantes: o drama de guerra.


A velha guarda
Como já falei nos dois textos anteriores, o gênero primordial de “mecha”, o “super robô” tem ligações profundas com super heróis. A grande diferença entre a ficção notoriamente japonesa e o seu inspirador (exarcebadamente americano) é que onde os super heróis focam nos feitos prodigiosos de uma pessoa, o instrumento para o heroísmo nos “super robôs” é, obviamente, o robô. Não que isso faça de seus pilotos e controladores menos “super”: a literatura e filmografia do tipo está cheia de jovens audazes e destemidos, super humanos, escolhidos dos deuses, herdeiros de civilizações perdidas e gênios da super ciência - a mesma matéria prima de super heróis.


Mas não é sobre essa vertente que esse texto trata. Enquanto os super heróis sempre fizeram parte do gênero, uma outra forma literária se emaranhou na ficção de robôs gigantes no final da década de 70: o drama de guerra. Sua introdução ao cânone dos “mechas” se dá com Mobile Suit Gundam, o magnum opus de Yoshiyuki Tomino, em 1979 - uma obra que redefiniu os animes e mangás de robôs gigantes até hoje.


Zambot 3: as consequências do "salvador de
aço" em primeiro plano. 
Tomino já havia iniciado a sua “desconstrução” do robô gigante com Zambot 3, em 1976, ao mostrar aquilo que outras séries ignoravam: as consequências das ações do super robô e o impacto dos seus inimigos para além da vida dos protagonistas. Mas Gundam mudava o jogo completamente. O cenário não era mais uma guerra “do bem contra o mal”, mas uma guerra pura e simples, entre os “nazistas espaciais” do Principado de Zeon, e o governo fascista da Federação Terrestre (o caráter fascista da federação é subentendido na série original e deixado claro em obras subsequentes), iniciada como uma guerra de independência.

O robô gigante do título não era mais fruto de superciência, mas um protótipo resultante de uma pesquisa desesperada para acompanhar o desenvolvimento bélico inimigo. Amuro Rei, seu protagonista não era mais um jovem “destemido” e “valoroso”, mas um rapaz jogado por um encontro desafortunado em meio as chamas de um conflito do qual não queria fazer parte. Iam-se os super cientistas e os oficiais benevolentes, entrava a politicagem de uma guerra sem sentido. Desaparecia o heroísmo e seus sacrifícios e surgia a perda de vidas desnecessária e trágica. A cena dali para frente mudaria para sempre.


Antecedentes na literatura


Guerra dos Mundos: os primeiros robôs gigantes como armas
O robô gigante como elemento narrativo na verdade nasce nesse tipo de história (ignorando-se alguns precedentes ambíguos na mitologia) com o romance Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, em 1897. Embora se distanciem do humanóide e do “ideal salvador” que marca o gênero, os tripods marcianos trazem todas as características marcantes da vertente apelidada por alguns de “Real Robot”: são máquinas de guerra gigantescas, em uma aproximação da forma de seus criadores, parte central do esforço de guerra. Os Tripods servem apenas como antagonistas, no entanto não há uma máquina equivalente humana para eles.


As Powered Armors de Tropas estelares: nublando
a divisão entre Infantaria e Tanques.
Mas a manifestação mais “reconhecível” deles na literatura ocidental se dá em duas obras “seminais” - ambas inspirações para o Gundam de Tomino. Em Galactic Patrol, de E.E. “Doc” Smith (a obra fundadora da “ópera espacial”, de 1937) e no restante da série Lensman, há a recorrência dos “trajes de combate”, grandes armaduras robotizadas para combate no espaço. Essa forma de “robô gigante” foi melhor definida e codificada por Robert A. Heinlein em seu Tropas Estelares (1957 - um ano após o surgimento dos super robôs, com Tetsujin 28). A ficção militar de Heinlein se centrava em um recruta da “infantaria móvel”, uma divisão militar equipada com “”powered armors”, nublando a linha entre blindados e infantaria.


Tropas Estelares trazia muitos dos mesmos temas que Gundam - as políticas de uma guerra, responsabilidade civil, o impacto na vida dos soldados, perda de inocência e o lugar dos jovens na guerra.  Porém, as duas obras traziam mentalidades completamente distintas sobre o serviço militar. Heinlein via na militarização um dever cívico (e Tropas Estelares em particular lida com acusações de fascismo). Em sua obra, apenas os militares gozavam de cidadania plena, a ideia de “direitos civis” é considerada absurda, e o pacifismo é considerado “fraqueza”.


Amuro: uma criança na linha de frente. 
Já Tomino via a guerra como um processo desumanizante e uma imposição custosa (e que tragicamente se fazia necessária), e lamentava o envolvimento de jovens no campo de batalha - um dos primeiros diálogos da série expressava o horror de Tem Rei ao notar que um dos oficiais a bordo da White Base tinha apenas 19 anos - e o questionava se era verdade que haviam garotos ainda mais novos no campo de batalha.

Ambas as obras usavam de alegorias: Gundam questionava a santidade dos aliados na segunda guerra mundial, sem reduzir sua condenação ao Eixo, ao mesmo tempo que ressaltava a responsabilidade dos líderes nos horrores da guerra. Tropas Estelares, por sua vez, usava dos Insetos como uma alegoria para a “ameaça comunista” e ressaltava a importância de uma resposta armada contra o “inimigo”. Onde Gundam humanizava os combatentes, Tropas Estelares os desumanizava, pintando como “justa” e “merecida” a morte dos inimigos.


O novo paradigma.


Com Gundam, Tomino reinventava o gênero de Robôs gigantes, e a década de oitenta se abriu com uma enxurrada de tentativas de copiar ou de suplantar Gundam, um movimento que foi popularmente chamado de “Real Robot”. Esse mesmo movimento modificou a dinâmica dos "Super Robôs". Deste braço “bélico” das histórias de Mecha, é possível delinear três grandes vertentes, com base em seu foco.


Primeiro, temos Gundam, focado no drama daqueles na linha de frente. Essa vertente é que a traz de forma mais clara um ranço remanescente dos super robôs - o próprio Gundam era um super protótipo, Amuro Rei era um newtype dotado de poderes especiais, Zeon contava com super armas cada vez mais ridículas, e o peso de um único homem pode mudar a corrente da batalha. Encarnações futuras da franquia levaram esses traços de super robô ainda mais longe, e a presença de máquinas únicas e fantásticas para personagens importantes, soldados que existem apenas para explodir em grandes números, e super protótipos que garantirão a vitória para quem se apoderar deles.



0080: "Não faça essa coisa legal".
Gundam trazia também um foco considerável na covardia da guerra, nas maneiras em que políticos e empresarios sujavam as mãos dos jovens com sangue sem colocarem a si mesmos em risco. A capacidade da franquia de abordar esses temas varia conforme a série: Zeta Gundam foi enfática em demonstrar como empresas bélicas lucram com todos os lados de um conflito. 00 Gundam abordou o quão fácil é para o idealismo servir de ferramenta para a política. 0080 ressaltou o quão ilusória é a emoção da guerra ante os custos, e G no Reconguista lidou com a fé como instrumento de controle durante a guerra. Por outro lado, Gundam Wing e Gundam SEED Destiny tentaram discutir pacifismo e aristocracia com resultados cômicos.


Os créditos de Climax U.C.: uma homenagem a continuidade original de Gundam


A linha “Gundam” de séries de robôs gigantes é também a mais claramente focada em mercadoria - não sem motivo: a série só foi possível graças ao patrocínio em peso da então gigante dos brinquedos POPY, e suas continuações dependeram do auxílio financeiro da Bandai, que através de Gundam se tornou o principal nome em brinquedos no país. Hoje, mais da metade dos lucros da empresa vem da franquia Gundam.


A segunda vertente, iniciada com Super Dimension Fortress Macross, em 1982, de Shoji Kawamori, trouxe um foco humano muito maior, com uma grande ênfase em romances. Pode ser dita como a vertente “novelística” dos robôs gigantes (não que o gênero não fosse melodramático desde o princípio). Situada no conflito entre a humanidade (que recém iniciou sua jornada rumo às estrelas) e os Zentradi (em guerra contra a misteriosa “Protocultura”), o foco da série original de Macross é o triangulo amoroso do piloto Hikaru Ichijo, a operadora de sistemas Misa Hayase e a cantora Lynn Minmei. Em segundo plano, estava o relacionamento improvável entre o “ás” humano Maximillian F. Jenius e a às Zentradi Milia Fallyna.


Macross teve suas múltiplas continuações e derivados, da mesma forma que Gundam, e o tempo só exarcebou as características que separavam Macross de Gundam. Da série que surgiu como uma paródia de Uchuu Senkan Yamato, surgiu um “império” de séries de robôs gigantes centradas em triangulos amorosos, música como arma, e trilhas de mísseis. Muitas trilhas de mísseis.




A terceira grande vertente (em termos de popularidade, não de cronologia) surge em 1981, com Taiyou no Kiba Dougram, de Ryosuke Takahashi. Centrada na rebelião colonial no planeta Deloyer, a série de 75 episódios se inspirou no filme italiano La battaglia di Algieri para contar uma história política sobre os horrores do colonialismo. O protagonista, Crinn Cashim, era o filho do governador planetário. Após um aparente golpe de estado, o rapaz se junta a rebelião em busca de independência da Federeção Terrestre. A série é marcada por intrigas e traições desde o primeiro episódio.  

Enquanto o foco de Macross e Gundam era o drama humano de seus personagens, Dougram primava pelo foco na estratégia e na política. Não havia espaço para ases intrépidos ou super protótipos: a única “vantagem” da máquina do título era ser o primeiro Combat Armor desenvolvido especificamente para lutar no ambiente inóspito de Deloyer. Dougram não marcou a animação tanto quanto Macross e Gundam; Takahashi abordonou os mesmos temas em Sokou Kihei Votoms, em 1983, e Aoki Ryusei Layzner, em 1985, ambas com um foco mais individual. Enquanto Dougram era uma série “realista”, Votoms conta com um protagonista digno de filmes de ação americanos, Chirico Cuvie, capaz de derrotar centenas de inimigos sozinho. Já Layzner conta com um robô beirando o super, o supracitado Layzner.


Votoms: o realismo ante um super soldado.
Mas a influência de Dougram se deu em jogos: a maioria dos jogos de Mecha bebem do estilo narrativo e tático de Dougram. O clássico Wargame americano Battletech tem muito do estilo de combate metódico e pesado de Dougram (com uma estética chupinhada tanto de Dougram quanto de Macross). Heavy Gear, da Dream Pod 9, vai além, copiando a própria trama de Votoms (e a identidade visual) como plano de fundo para um cenário de RPG. Armored Core e Front Mission tratam suas máquinas com a mesma frieza e realismo que Dougram - e sua política com a mesma sujeira que o clássico de Takahashi.

Da guerra para outras coisas

Essas três vertentes respingaram no resto do gênero, no entanto, principalmente nos anos 80. As equipes de super robôs se militarizaram, os pilotos não eram mais voluntários intrépidos (em seu lugar entravam recrutas relutantes, “ases” cabeça quente e jovens alistados contra sua vontade). A política por trás dos robôs e seu desenvolvimento assumia tons escusos, e o gênero nunca mais seria o mesmo: Mesmo com a “reconstrução” dos super robôs com Gao Gai Gar em 1997,  a maneira de se pensar as narrativas de robôs gigantes e a ligação destes com a política estaria para sempre alterada.

Dancouga: a hierarquia militar, em uma série de Super Robôs.
A influência de Gundam no gênero é palpável nos comandos militares de séries como Tekkaman Blade (tecnicamente, um Henshin Hero), Dancouga (que desconstrói a ideia do "ás heróico de sangue quente" dentro de uma estrutura hierarquizada e como parte de uma equipe) e Gunbuster. Da mesma maneira, essa influência é visível em quão mais fragilizados os pilotos de robôs gigantes se tornaram após o impacto de Gundam. Amuro Rei, embora ainda trouxesse traços de um piloto de super robô, era um jovem temperamental jogado em uma guerra na qual não tinha interesse. Em seu rastro surgiram personagens "fora do seu lugar" como Noriko Takaya, de Gunbuster, Kaine Wakaba, de Dragonar, e o auge desse tipo de personagem, Ikari Shinji, de Evangelion. Em grande parte, encontraram seu caminho, a seu jeito.
Dragon's Heaven: uma fabula e um
experimento visual
Dessa militarização do gênero - e mais importante, do abandono dos elementos mais "heróicos", viriam outras coisas:
Mamoru Ohshii levaria os robôs gigantes para o contexto policial com Patlabor. O próprio Yoshiyuuki Tomino, partindo de Gundam, levou o gênero ao extremo do esoterismo com a sombria série Ideon, e novamente com a fracassada Brain Powerd. Bebendo do estilo visual de Moebius, Makoto Kobayashi fez uma fábula pós apocalíptica com Dragon's Heaven. Mais recentemente, o designer Shinji Aramaki abordou o tópico da corrupção e da segurança privada com Viper's Creed. O feito mais importante de Gundam, Macross e Dougram não estava em suas maneiras distintas de mostrar a guerra: estava em sua capacidade de mostrar que os robôs gigantes podiam ser muito mais do que super heróis de dezenas de metros de altura. E hoje temos, como resultado disso, de robôs surfistas a robôs jogadores de basquete. De máquinas de construção no futuro distante à armas de uma guerra esquecida. E tudo começou em um encontro fortuito entre um jovem e uma máquina de guerra.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

De robôs e romances aristocráticos.

O que isso pode ter a ver com robôs gigantes?
Alguns meses atrás, em outro site, eu escrevi sobre a estranha relação entre Horror e Robôs Gigantes. Agora retomo o tópico dos gigantes mecânicos para tratar da sua relação com outro gênero literário: o romance ruritânio. Um gênero literário muito popular no final do século XIX e começo do século XX, e que caiu em popularidade junto com as monarquias européias.


Situados quase que inevitavelmente em algum país fictício da Europa Oriental (tal qual a “Ruritania” que dá nome ao gênero, cenário da trilogia O Prisioneiro de Zenda, de Anthony Hope), esses romances focam suas atenções em versões romantizadas dos jogos de poder da classe dominante (em geral, aristocracia e monarquia). Centradas em intrigas palacianas, espionagem e aventuras de capa-e-espada, essas aventuras não gozavam de grandes pretensões, e idealizavam o poder aristocrático.


Um exemplo da literatura do gênero. 
A ficção Ruritania em geral se centrava em temas de honra, lealdade e amor verdadeiro, enquanto a trama muitas obras girava em torno de restaurar o legítimo governante depois de um período de usurpação e ditadura. O gênero também é chamado de literatura Graustarkiana, a partir da série Graustark, de George Barr McCutcheon. A série, com seis livros, se centra nas intrigas políticas e na restauração da fictícia nação de Graustark.


“Mas o que isso tem a ver com robôs gigantes”, você deve estar se perguntando. E eu lhe digo: tudo. Ok, não tudo, mas muito. A relação entre a literatura ruritânia e os robôs gigantes começa com UFO Robô Grendizer, de Go Nagai, em 1974. Embora não fosse explicitamente graustarkiano, Grendizer era a história do herdeiro legítimo do planeta Fleed, Duke Fleed, que havia sido usurpado pela Aliança Estelar Vega.





Mas foi a partir de 1977, com Voltes V, de Tadao Nagahama que a relação entre as duas formas narrativas se tornava explícita. A segunda série da “Trilogia Romântica” de Nagahama, Voltes V trazia a guerra entre a terra e os Boazanianos. A última esperança da terra caia sobre o robô super eletromagnético Voltes V*, e seus pilotos, os irmãos - secretamente, os filhos do herdeiro legítimo do trono de Boaz, cujas forças eram lideradas por seu rancoroso meio irmão, Principe Heinel.Bebendo do drama exagerado da literatura graustarkiana, Nagahama deu ao gênero o grau de caracterização e drama interpessoal que até então ele carecia - e o fez centrando o em um drama familiar e político digno dos romances idealistas que marcaram a virada do século.


A Lenda dos Heróis Galáticos: intriga e política a melhor
moda do gênero.
O apreço da indústria de entretenimento japonesa por romances graustarkianos já transparecia em obras como Rosa de Versalhes (de Ryoko Ikeda) e A Princesa e o Cavaleiro (de Ozamu Tezuka). Ambas envolviam personagens que tomavam em armas para evitar a queda do reinado legítimo e sua usurpação por ditadores. Outra série a beber profundamente do gênero (e de maneira mais clara que qualquer outra, na minha opinião) é a gigantesca Lenda dos Heróis Galáticos, com 110 episódios lançados diretamente para vídeo. A série se centra em dois estrategistas - o nobre Reinhard von Mussel do Império Galático, e o relaxado Yang Wen-Li, da Aliança dos Planetas Livres, em meio às intrigas de uma guerra que dura décadas..


A adaptação de Rosa de Versalhes para TV, em 1979, foi a última obra de Nagahama, que na mesma época trabalhava em uma quarta série de Super Robôs: Mirai Robô Daltanias - que bebia da mesma tradição romântica, e cujo título talvez fosse mais apropridadamente traduzido como Dartagnas - afinal, o nome do robô vinha de nada menos que D’artagnan, o quarto membro dos Três Mosqueteiros. Mas a relação vai além.  


Cassval/Char e a família Zabi: uma trama típicamente
Graustarkiana no fundo de um drama de guerra. 
Nagahama abriu as portas para uma enxurrada de séries Graustarkianas. Mobile Suit Gundam inaugurou o drama de guerra na animação Japonesa, e ao mesmo tempo era a jornada de Char Aznable para se vingar dos usurpadores da família Zabi e reestabelecer a ordem no Principado de Zeon. Em Aura Battler Dunbine, que bebe fartamente da fantasia medieval ao mesmo tempo, o piloto de motos Sho Zama é levado ao mundo mágico e distintamente europeu de Byston Well para servir nos exércitos do perverso Duke Luft, antes de debandar e se juntar a resistência contra o tirano. Tenkuu no Escaflowne também mistura o Graustarkiano com fantasia medieval e segue o príncipe Van Slanzar de Fanel, herdeiro do Trono de Fanelia, destruído pelo império Zaibach no mesmo dia de sua coroação.


Daiohja: um robô gigante contra a corrupção.
Algumas séries levavam a referência a um grau mais elevado. A obscura Saikyou Robo Daiohja acompanhava a jornada do príncipe Edward Mito, que decide viajar disfarçado pelo império (composto de mais de cinquenta planetas) para ver o que há de errado em cada mundo - acompanhado de dois amigos, Barão Kalkus e Duque Skead, o princípe encontra corrupção e vilania que nem imaginava praguejar o reino. Menos obscura, Heavy Metal L. Gaim segue o princípe Daba Myroad contra o regime opressivo do ditador Oldna Posseidal. L. Gaim serviu de base para Five Star Stories, essa centrada totalmente em intrigas aristocráticas, e que faz dos robôs gigantes o equivalente social para um título de nobreza.

Five Star Stories: Luxo, aristocracia, intriga e Mortar Headds.


Sakura Taisen, bebendo da estética graustarkiana.
Até alguns jogos do gênero trazem traços do gênero, quando não o seguem diretamente. O primeiro grande arco de Xenogears gira em torno da libertação e restauração da ordem no reino de Aveh pelo desaparecido herdeiro do trono, Bartholomew Fatima - e um elemento recorrente no jogo são as intrigas entre a aristocracia regente. Parte crucial de Super Robot Taisen, a série Mazoukishin se foca nas guerras e jogos de poder da aristocracia do mundo mágico de La  Giars (e conta com mais nomes pretensiosamente nobres que os dedos podem contar. Randol Zan Zenozakis, alguém?). Vanguard Bandits, para o PS1, é outro jogo que se centra em um herdeiro secreto do trono, conquistado por um ditador, e que representa a única esperança para devolver a ordem. A série Sakura Taisen , por sua vez, bebe visualmente do gênero, fazendo de suas protagonistas uma trupe teatral Takarazuka - vestidas como galantes oficiais em uma peça do gênero.


Gundam Wing: mais Graustark, impossível. 
Gundam F91: uma trama de intriga e ambição,
mascarada como um filme de robôs gigantes.
Praticamente uma “instituição nacional” no Japão, Gundam tem uma relação profunda com o gênero. Da busca de vingança de Char em MS Gundam até o golpe militar contra a princesa Diana Soriel em Turn A Gundam e alem, a franquia está repleta de herdeiros desaparecidos, regentes depostos, ditaduras ilegítimas e regimes usurpados, prontos para serem derrubados pela ação dos protagonistas. Mas algumas séries em particular abusam do Graustarkismo. Esse é o caso de Gundam Wing, que foi exibida no Brasil pelo Cartoon Network. Na série, marcada por intriga política de todo tipo (a ponto de distrair do resto), um dos pontos centrais são os desaparecidos herdeiros do trono do Reino Sanc. Em Gundam F-91, grande parte do filme se centra nas intrigas e ambições da família Ronah (e sua sequência, Crossbone, virou um mangá sobre piratas. Vai entender) .Gundam Victory levou a inspiração na aristocracia europeia a tal ponto que seus vilões, o Império Zanscare, chegam a reinstaurar o uso de guilhotinas. E ao mesmo tempo, a maior esperança para a paz está nas mãos da melhor amiga do protagonista, secretamente a herdeira do trono Zanscare.


Code Geass: muito além da estética.
Mais recentemente, o gênero foi o ponto focal de Code Geass, acompanhando a busca de Lelouch Lamperouge, filho caído do imperador Charles zi Britannia, para a destruição total do reinado de terror de sua família. A qualquer custo. Star Driver também bebe da mesma fonte: escrito pelo mesmo roteirista de Revolutionary Girl Utena (que traz uma trama 100% graustarkiana em uma escola particular), Star Driver traz apenas a iconografia de Utena e da literatura do gênero - mas merece a citação. Aldnoah.Zero, lançado ano passado, centra se nas tensões entre o Sagrado Império de VERS e a Terra após o assassinato da princesa de Marte, usado como justificativa para a guerra. A série americana Sym Bionic Titan também puxa muito da estética do gênero.





E para quem se interessa por obras nacionais, o RPG Brigada Ligeira Estelar se centra justamente nessa intersecção entre o romance de capa-e-espada e os robôs gigantes. A própria terminologia do cenário planta firmemente as referências à Europa no fim do século XIX - transplantada para um cenário espacial.



*Curiosamente, a série de robôs gigantes que ao fim girava em torno da retomada do governo legítimo de Boaz seria responsável pela queda de um governo ilegítimo real: Os paralelos entre o governo ilegítimo de Zu Zambaji em Boaz e o governo de Ferdinando Marcos nas Filipinas levaram ao cancelamento do desenho no país, faltando quatro episódios para o final. A geração que até então ligava apenas para o desenho de robôs e monstros começou a notar o país que os cercava - e eles estavam furiosos. Essa mesma geração cresceu, e em 1986 foi crucial nos movimentos de revolta popular contra Marcos - hoje, Voltes V beira o estado de herói nacional nas Filipinas.