domingo, 18 de setembro de 2016

Revisitando More Than Meets The Eye: A peculiar depressão de Whirl

Whirl, aqui em forma de plástico. 
Agora que a IDW se encontra novamente em uma fase de transição e a narrativa de More Than Meets the Eye entra em sua terceira "temporada" sob o novo título Transformers: The Lost Light, sinto me mais a vontade em tratar de assuntos narrativamente delicados do universo de Transformers da editora - que tem dado o melhor tratamento à franquia desde sua origem, em 1984. 
Depressão - e em particular, a depressão suicida - é um tópico complexo para se lidar em quadrinhos. Especialmente em quadrinhos comerciais, onde o foco é o entretenimento, e não a "arte".James Roberts está entre os poucos que conseguiu trabalhar as duas coisas - o entretenimento e o devido respeito ao tópico - bem, e o fez desde seu primeiro "grande" trabalho afetando a continuidade da IDW, "Chaos Theory", em 2011 (The Last Stand of The Wreckers era praticamente um Stand Alone, e só passou a importar para a continuidade após o início de More Than Meets the Eye, em 2012). São vários personagens claramente sofrendo desse mal na revista, mas um deles - um cidadão de um olho só e mãos de pinça, considerado uma arma de destruição em massa - é o nosso tópico de hoje. 


O caso em questão é Whirl de Polyhex, simultaneamente um ninguém e a pessoa mais importante de toda a linha do tempo da IDW. Whirl é introduzido em Chaos Theory como "O homem que ensinou Megatron a odiar" - o homem responsável indiretamente por toda a grande guerra, o policial corrupto e violento que torturou o jovem mineiro quando este foi preso por uma pequena briga de bar (da qual não fez parte - uma parte importante do discurso político do trabalho de Roberts) e lhe ensinou o poder da violência.
Whirl poderia ter ficado por aí: o psicopata que espancou um prisioneiro por diversão, e inadvertidamente forjou o homem que deu início ao conflito que quase levou seu povo à extinção. Mas poucos personagens são tão superficiais, e o maníaco de Polyhex não era exceção.
Em More Than Meets the Eye, temos um olhar muito mais complexo a respeito do ex-relojoeiro, a começar por sua introdução na revista: expiando seus demônios internos com os corpos de vários Sweeps enquanto se prepara para atear fogo na pilha de cadáveres (e em si mesmo) antes de ser "rudemente interrompido" por Cyclonus. A tentativa implícita de suicídio não é a única na revista: repetidas vezes Whirl instiga situações que poderiam resultar em sua morte - e quando questionado a respeito desse comportamento por Rung enquanto os dois eram mantidos reféns por um Fortress Maximus em surto, sua única resposta é "Eu não sei, você é o meu psiquiatra, me responda você".
Whirl é um dos personagens mais engraçados da série - quando não é o mais triste. Escondendo sua depressão e seu ódio por si mesmo por trás de imprudência e impulsividade, o "unvencível" Whirl personifica bem o estranho processo de auto depreciação que caracteriza algumas formas de depressão. Cada pequena característica que ele exalta em si mesmo são coisas que tornam ele mais isolado dos outros - por que ele não quer e nem se sente merecedor de "amigos".
Seu espancamento do então jovem Megatron, visto pela ótica do que é apresentado na revista posterior, deixa de ser um ato de um policial violento-por-ser-violento para ser a reação de um homem que perdeu tudo ante alguém que o lembra daquilo que perdeu. Nascido sob o regime funcionista (onde o destino e a função de alguém era determinado por sua forma alternativa, muito como em sociedades reais é definido por castas ou pelo histórico familiar), Whirl não tinha o menor interesse em segurança pública: seu sonho era ser um relojoeiro, sonho que pensou ter realizado ao obter uma isenção especial.
Mas infortúnio dos infortúnios, aquilo que deveria vir como uma conquista virou motivo para assédio e chantagem. Sem ceder a pressão do crime organizado - mantido por um senador - Whirl perdeu tudo; ao reagir, foi sentenciado à pena máxima: Empurata, sendo privado de suas mãos e seu rosto para servir de exemplo para qualquer um que ousasse pensar em sair de sua "devida função". E lá estava ele, tendo sob sua custódia o jovem mineiro que se atrevia a dizer que todos podiam ser senhores de seu destino. Enquanto ele "só queria suas mãos de volta".
Veio a grande guerra (que ele sem saber causou), e Whirl encontrou seu lugar no campo de batalha - buscando sua morte, crendo se invencível após falhar em morrer ao longo de milênios (sem saber que sua sobrevivência não era fruto de sua competência ou de sorte, mas de uma ordem geral para que os Decepticons "não matassem o homem que fez de Megatron quem ele era hoje"). E então a guerra acabou. Ele poderia ter suas mãos de volta no novo regime, mas... pra quê? Obtê-las de volta significava abrir mão de tudo aquilo que ele se tornou e ter que conviver com todo o ódio e o rancor que tinha dentro de si. Pior: com a certeza de que suas mãos não lhe trariam felicidade.
Em "The Lopsided Triangle", pela primeira vez em 47 edições, os aposentos do "indestrutível" helicóptero são vistos pelos leitores. Além de uma cama de recarga, a única coisa dentro dele são relógios: dezenas e dezenas de relógios defeituosos, tentativas dele de levar adiante seu antigo sonho com seus apêndices rudimentares. Um duro lembrete do que o sistema lhe fez. E do que ele se tornou.
É inegável que Whirl sofra de depressão clínica - mas a manifestação desta se distancia do clichê de "tristeza e apatia". Muito pleo contrário: A depressão de Whirl, como em muitos depressivos reais, se demonstra em comportamento agressivo e anti-social, auto depreciação e uma busca ativa por situações onde sua dor "teria um fim" - pois ele próprio não consegue dar um fim ao seu sofrimento. Seu desprezo velado por si mesmo atinge seu ápice narrativo (e cômico) no Especial de Natal de Transformers de 2015:: manipulado emocionalmente por uma colônia de Scraplets, Whirl fica lisonjeado que os "danadinhos" que ele, Nautica e Swerve (outro depressivo) pensaram ser uma protoforma o usaram de incubadora para matar todo mundo
Assim como muitos comediantes fazem piada para rir daquilo que lhes fazem sofrer, Whirl demonstra um comportamento caótico e imprevisível como sua própria barreira emocional. Afinal, já que ele odeia tudo ao seu redor tanto quanto se odeia, que ao menos faça isso de uma maneira que lhe faça esquecer da sombra humana (ou robótica) que ele vê em si mesmo. Da mesma maneira, Whirl busca a violência (e oportunidades de exercê-la) como forma de descontar no mundo a raiva que tem de si - especialmente se essa violência puder entretê-lo por alguns instantes enquanto isso (como ao usar as armas experimentais de Brainstorm). 
E tudo isso enquanto solta algumas das melhores falas e faz algumas das melhores e mais engraçadas ações em todas as 56 edições da revista. Essa alma torturada expõe uma das realidades mais cruéis a respeito da depressão: que muitas vezes, por fora, o deprimido não parece depressivo: parece engraçado, babaca, nervosinho, ou o que seja. Enquanto por dentro ele "só quer suas mãos de volta".

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