quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O árduo caminho para a redenção


Redenção: eis um tema narrativo forte, e que poderia ser mais explorado tanto na animação quanto nas histórias em quadrinhos. A jornada do "malfeitor" rumo a virtude é sem sombra de dúvidas uma das formas narrativas clássicas, e é difícil pensar em obra que tenha abordado melhor esse tema do que "Les Miserables", de Victor Hugo - afinal, não há melhor história de redenção do que a tragédia de Jean Valjean, condenado a 17 anos na prisão por ter quebrado uma janela e roubado um pão - e que fora da prisão, se torna um exímio membro da sociedade, e um grande filantropo, ao mesmo tempo que foge da justiça.

Mas onde está o "Les mis" dos quadrinhos? Ou da animação? Aquela obra "perfeita" que defina de maneira magistral o tema? Ainda não temos nenhuma HQ ou nenhum desenho que possamos dizer "Isso é o que redenção significa", mas temos algumas histórias que abordaram muito bem a questão - O caso mais forte dentro do mainstream dos comics é, em minha opinião, Thunderbolts. O que começa como um plano engenhoso do Barão Zemo para conquistar a confiança da população tem uma completa reviravolta quando vários membros da equipe chegam a conclusão de que, sabe, eles gostam de serem heróis.


E se há um traço em comum na maioria das histórias de redenção é isto: a maioria das vezes, o caminho para a redenção começa com as piores intenções. Não é na intenção de serem heróis que os Thunderbolts alcançam a "virtude", mas na intenção de fazer com que as pessoas pensem que eles o são. Os fãs de animação japonesa certamente estão familiarizados ao extremo com Picollo e Vegeta em Dragon Ball Z, ambos vilões impiedosos que se redimem sem nenhuma intenção de serem heróis. E por mais piegas que isso seja - e é - é através do amor que ocorre a redenção de ambos: Picollo se torna bom através da relação com Gohan (e por mais que Goku seja o pai biológico do moleque, não há como não ver no Picollo a verdadeira figura paterna do Gohan), enquanto Vegeta se redime ao se ver.. acomodado como um pai de família comum - embora reaja violentamente a essa constatação.

Thunderbolts é repleto de histórias de redenção - e de falsos discursos de redenção. Enquanto a trama mais impressionante é do lider da equipe, o NAZISTA Barão Zemo, que ao longo dos anos de publicação do Thunderbolts foi lentamente vendo os erros do passado - a ponto de tentar corrigir a linhagem de ódio da família quando enviado de volta no tempo - mas ainda assim não conseguia abandonar a megalomania dos velhos tempos. Porém, em meu ver, a melhor trama de redenção do título é a de Melissa Gold, vulgo Soprano. Embora alguns roteiristas lamentavelmente ainda a tratem como uma vilã (mostrando que nunca se deram o trabalho de ler Thunderbolts), Melissa foi durante todos os 14 anos dos Thunderbolts a personagem que mais claramente buscou a tão ilusiva redenção.

Isso inclui a permanência dela na equipe durante o arco "Fé em Monstros", de Warren Ellis - no qual os antigos membros - aqueles que se tornaram heróis de verdade, embora ainda tivessem "problemas de comportamento" - foram mandados embora, para dar lugar a psicopatas como a Rocha Lunar e o Mercenário. Melissa poderia ter saído da equipe - mas estaria fora do personagem ela deixar aquele bando de pessoas sem uma bussola moral - e essa decisão dentro de universo foi recompensada quando ela finalmente abandonou os Thunderbolts e foi salva pelo Espadachim - um dos poucos membros da formação original que ficaram na equipe liderada por Norman Osborn.
Ok, parte do motivo de eu gostar da Soprano é porque ela é adorável.

Também é graças a Melissa que o Homem Radioativo se manteve na equipe - o subtexto romântico é bem forte, e creio que boa parte da humanidade é capaz de compreender a falta de despedida do herói/vilão chinês, cansado de não ser correspondido. Cheng retorna a China com para liderar um supergrupo nacional, e não se dá o 'luxo' de uma despedida, simplesmente oficializando sua demissão dos Thunderbolts, e partindo de volta para casa - para não tornar mais difícil do que precisa ser.

Zemo teve uma recaída recentemente quando sequestrou e prendeu Bucky, o parceiro do Capitão América, em uma armadilha "inescapável" (contrariando o que eu tinha escrito antes, quem matou o Bucky foi a filha do Caveira Vermelha, a Irmã Pecado)- cansado de ser tratado como um vilão apesar de 14 anos como um herói, enquanto Bucky era respeitado apesar de ter passado boa parte dos últimos 20 anos como o soldado invernal. E enquanto Zemo salvou a terra repetidas vezes, Bucky foi completamente perdoado por numerosos assassinatos e por ter explodido uma parte considerável de Nova York - apesar disso, Zemo tinha apenas o desdém da maioria dos heróis.  embora a motivação de Zemo fosse compreensível (mas certamente não boas), os atos lhe jogaram definitivamente fora do caminho para a redenção.


Zemo: um dos poucos arqui inimigos do Capitão América que ainda podia ser redimido, recaiu devido a inveja.
Enquanto isso, o mais próximo que a DC tem dos Thunderbolts é o Esquadrão Suicida. Mas enquanto a Marvel sempre trabalhou com os tons de cinza - e com uma chance real de alguns dos seus vilões se redimirem - a DC manteve o maniqueísmo pelo qual a editora é conhecida. Não interessa aos membros do Esquadrão fazer a coisa certa; o que lhes interessa é tão somente a prometida redução na pena, nada mais.

Eu sei que essa formação é mais velha do que as pedras, mas não tive paciência de procurar uma atual.

Já na animação, meu conto de redenção preferido é (momento fanboy aqui) todo o arco de história do Dinobot, em Beast Wars. Dinobot abandona os Predacons logo no primeiro episódio, mas sua motivação para se juntar aos Maximals nada tem de virtuosa: sua meta única é assumir a liderança dos Maximals e esmagar de uma vez por todas os Predacons. Ao longo das duas primeiras temporadas de Beast Wars Dinobot busca "seu destino". Em um momento de tragédia, é ao perceber que o destino cabe apenas a si mesmo que ele conclui estar sem escolha - e em sua batalha final, salva toda a proto-humanidade.

As palavras finais de Dinobot são uma das ultimas coisas que esperava ouvir em Transformers: "Conte meus feitos a quem perguntar, conte a verdade, as coisas boas e as ruins igualmente, e deixe que me julguem de acordo. O resto... é silêncio". Duas citações de Shakespeare, em um desenho que é um comercial de brinquedos de 22 minutos... O momento ganha força graças a atuação excelente de Scott McNeil, tanto no papel do Dinobot, como de Rattrap. A constante troca de insultos entre os dois era um ponto forte de Beast Wars, e a despedida tocante dos dois é certamente, para quem acompanhou toda a série, um tearjerker.

Mas a sua morte trágica levanta outro tema em comum sobre a redenção: como colocado pelo site Tvtropes, redenção é igual a morte: são poucos os personagens que alcançam essa meta ilusiva sem morrer no processo - quer melhor exemplo do que Darth Vader? Isso é por um detalhe simples: a imagem do personagem como vilão é construída de tal maneira, que reescreve-lo após a redenção seria em essência outro personagem. Infelizmente.

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