Algum tempo atrás eu falei de dois dos gêneros que se mesclaram à malha dos robôs gigantes. Primeiro, da relação entre o gênero e o horror, e depois de sua estranha e prolífica relação com a literatura aristocrática da virada do século XIX para o XX. Agora, mais uma vez, abordo a questão para trazer aquele que é um dos dois grandes gêneros de robôs gigantes: o drama de guerra.
A velha guarda |
Como já falei nos dois textos anteriores, o gênero primordial de “mecha”, o “super robô” tem ligações profundas com super heróis. A grande diferença entre a ficção notoriamente japonesa e o seu inspirador (exarcebadamente americano) é que onde os super heróis focam nos feitos prodigiosos de uma pessoa, o instrumento para o heroísmo nos “super robôs” é, obviamente, o robô. Não que isso faça de seus pilotos e controladores menos “super”: a literatura e filmografia do tipo está cheia de jovens audazes e destemidos, super humanos, escolhidos dos deuses, herdeiros de civilizações perdidas e gênios da super ciência - a mesma matéria prima de super heróis.
Mas não é sobre essa vertente que esse texto trata. Enquanto os super heróis sempre fizeram parte do gênero, uma outra forma literária se emaranhou na ficção de robôs gigantes no final da década de 70: o drama de guerra. Sua introdução ao cânone dos “mechas” se dá com Mobile Suit Gundam, o magnum opus de Yoshiyuki Tomino, em 1979 - uma obra que redefiniu os animes e mangás de robôs gigantes até hoje.
Zambot 3: as consequências do "salvador de aço" em primeiro plano. |
Tomino já havia iniciado a sua “desconstrução” do robô gigante com Zambot 3, em 1976, ao mostrar aquilo que outras séries ignoravam: as consequências das ações do super robô e o impacto dos seus inimigos para além da vida dos protagonistas. Mas Gundam mudava o jogo completamente. O cenário não era mais uma guerra “do bem contra o mal”, mas uma guerra pura e simples, entre os “nazistas espaciais” do Principado de Zeon, e o governo fascista da Federação Terrestre (o caráter fascista da federação é subentendido na série original e deixado claro em obras subsequentes), iniciada como uma guerra de independência.
O robô gigante do título não era mais fruto de superciência, mas um protótipo resultante de uma pesquisa desesperada para acompanhar o desenvolvimento bélico inimigo. Amuro Rei, seu protagonista não era mais um jovem “destemido” e “valoroso”, mas um rapaz jogado por um encontro desafortunado em meio as chamas de um conflito do qual não queria fazer parte. Iam-se os super cientistas e os oficiais benevolentes, entrava a politicagem de uma guerra sem sentido. Desaparecia o heroísmo e seus sacrifícios e surgia a perda de vidas desnecessária e trágica. A cena dali para frente mudaria para sempre.
O robô gigante do título não era mais fruto de superciência, mas um protótipo resultante de uma pesquisa desesperada para acompanhar o desenvolvimento bélico inimigo. Amuro Rei, seu protagonista não era mais um jovem “destemido” e “valoroso”, mas um rapaz jogado por um encontro desafortunado em meio as chamas de um conflito do qual não queria fazer parte. Iam-se os super cientistas e os oficiais benevolentes, entrava a politicagem de uma guerra sem sentido. Desaparecia o heroísmo e seus sacrifícios e surgia a perda de vidas desnecessária e trágica. A cena dali para frente mudaria para sempre.
Antecedentes na literatura
Guerra dos Mundos: os primeiros robôs gigantes como armas |
O robô gigante como elemento narrativo na verdade nasce nesse tipo de história (ignorando-se alguns precedentes ambíguos na mitologia) com o romance Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, em 1897. Embora se distanciem do humanóide e do “ideal salvador” que marca o gênero, os tripods marcianos trazem todas as características marcantes da vertente apelidada por alguns de “Real Robot”: são máquinas de guerra gigantescas, em uma aproximação da forma de seus criadores, parte central do esforço de guerra. Os Tripods servem apenas como antagonistas, no entanto não há uma máquina equivalente humana para eles.
As Powered Armors de Tropas estelares: nublando a divisão entre Infantaria e Tanques. |
Mas a manifestação mais “reconhecível” deles na literatura ocidental se dá em duas obras “seminais” - ambas inspirações para o Gundam de Tomino. Em Galactic Patrol, de E.E. “Doc” Smith (a obra fundadora da “ópera espacial”, de 1937) e no restante da série Lensman, há a recorrência dos “trajes de combate”, grandes armaduras robotizadas para combate no espaço. Essa forma de “robô gigante” foi melhor definida e codificada por Robert A. Heinlein em seu Tropas Estelares (1957 - um ano após o surgimento dos super robôs, com Tetsujin 28). A ficção militar de Heinlein se centrava em um recruta da “infantaria móvel”, uma divisão militar equipada com “”powered armors”, nublando a linha entre blindados e infantaria.
Tropas Estelares trazia muitos dos mesmos temas que Gundam - as políticas de uma guerra, responsabilidade civil, o impacto na vida dos soldados, perda de inocência e o lugar dos jovens na guerra. Porém, as duas obras traziam mentalidades completamente distintas sobre o serviço militar. Heinlein via na militarização um dever cívico (e Tropas Estelares em particular lida com acusações de fascismo). Em sua obra, apenas os militares gozavam de cidadania plena, a ideia de “direitos civis” é considerada absurda, e o pacifismo é considerado “fraqueza”.
Amuro: uma criança na linha de frente. |
Já Tomino via a guerra como um processo desumanizante e uma imposição custosa (e que tragicamente se fazia necessária), e lamentava o envolvimento de jovens no campo de batalha - um dos primeiros diálogos da série expressava o horror de Tem Rei ao notar que um dos oficiais a bordo da White Base tinha apenas 19 anos - e o questionava se era verdade que haviam garotos ainda mais novos no campo de batalha.
Ambas as obras usavam de alegorias: Gundam questionava a santidade dos aliados na segunda guerra mundial, sem reduzir sua condenação ao Eixo, ao mesmo tempo que ressaltava a responsabilidade dos líderes nos horrores da guerra. Tropas Estelares, por sua vez, usava dos Insetos como uma alegoria para a “ameaça comunista” e ressaltava a importância de uma resposta armada contra o “inimigo”. Onde Gundam humanizava os combatentes, Tropas Estelares os desumanizava, pintando como “justa” e “merecida” a morte dos inimigos.
Ambas as obras usavam de alegorias: Gundam questionava a santidade dos aliados na segunda guerra mundial, sem reduzir sua condenação ao Eixo, ao mesmo tempo que ressaltava a responsabilidade dos líderes nos horrores da guerra. Tropas Estelares, por sua vez, usava dos Insetos como uma alegoria para a “ameaça comunista” e ressaltava a importância de uma resposta armada contra o “inimigo”. Onde Gundam humanizava os combatentes, Tropas Estelares os desumanizava, pintando como “justa” e “merecida” a morte dos inimigos.
O novo paradigma.
Com Gundam, Tomino reinventava o gênero de Robôs gigantes, e a década de oitenta se abriu com uma enxurrada de tentativas de copiar ou de suplantar Gundam, um movimento que foi popularmente chamado de “Real Robot”. Esse mesmo movimento modificou a dinâmica dos "Super Robôs". Deste braço “bélico” das histórias de Mecha, é possível delinear três grandes vertentes, com base em seu foco.
Primeiro, temos Gundam, focado no drama daqueles na linha de frente. Essa vertente é que a traz de forma mais clara um ranço remanescente dos super robôs - o próprio Gundam era um super protótipo, Amuro Rei era um newtype dotado de poderes especiais, Zeon contava com super armas cada vez mais ridículas, e o peso de um único homem pode mudar a corrente da batalha. Encarnações futuras da franquia levaram esses traços de super robô ainda mais longe, e a presença de máquinas únicas e fantásticas para personagens importantes, soldados que existem apenas para explodir em grandes números, e super protótipos que garantirão a vitória para quem se apoderar deles.
0080: "Não faça essa coisa legal". |
Gundam trazia também um foco considerável na covardia da guerra, nas maneiras em que políticos e empresarios sujavam as mãos dos jovens com sangue sem colocarem a si mesmos em risco. A capacidade da franquia de abordar esses temas varia conforme a série: Zeta Gundam foi enfática em demonstrar como empresas bélicas lucram com todos os lados de um conflito. 00 Gundam abordou o quão fácil é para o idealismo servir de ferramenta para a política. 0080 ressaltou o quão ilusória é a emoção da guerra ante os custos, e G no Reconguista lidou com a fé como instrumento de controle durante a guerra. Por outro lado, Gundam Wing e Gundam SEED Destiny tentaram discutir pacifismo e aristocracia com resultados cômicos.
Os créditos de Climax U.C.: uma homenagem a continuidade original de Gundam
A linha “Gundam” de séries de robôs gigantes é também a mais claramente focada em mercadoria - não sem motivo: a série só foi possível graças ao patrocínio em peso da então gigante dos brinquedos POPY, e suas continuações dependeram do auxílio financeiro da Bandai, que através de Gundam se tornou o principal nome em brinquedos no país. Hoje, mais da metade dos lucros da empresa vem da franquia Gundam.
A segunda vertente, iniciada com Super Dimension Fortress Macross, em 1982, de Shoji Kawamori, trouxe um foco humano muito maior, com uma grande ênfase em romances. Pode ser dita como a vertente “novelística” dos robôs gigantes (não que o gênero não fosse melodramático desde o princípio). Situada no conflito entre a humanidade (que recém iniciou sua jornada rumo às estrelas) e os Zentradi (em guerra contra a misteriosa “Protocultura”), o foco da série original de Macross é o triangulo amoroso do piloto Hikaru Ichijo, a operadora de sistemas Misa Hayase e a cantora Lynn Minmei. Em segundo plano, estava o relacionamento improvável entre o “ás” humano Maximillian F. Jenius e a às Zentradi Milia Fallyna.
Macross teve suas múltiplas continuações e derivados, da mesma forma que Gundam, e o tempo só exarcebou as características que separavam Macross de Gundam. Da série que surgiu como uma paródia de Uchuu Senkan Yamato, surgiu um “império” de séries de robôs gigantes centradas em triangulos amorosos, música como arma, e trilhas de mísseis. Muitas trilhas de mísseis.
A terceira grande vertente (em termos de popularidade, não de cronologia) surge em 1981, com Taiyou no Kiba Dougram, de Ryosuke Takahashi. Centrada na rebelião colonial no planeta Deloyer, a série de 75 episódios se inspirou no filme italiano La battaglia di Algieri para contar uma história política sobre os horrores do colonialismo. O protagonista, Crinn Cashim, era o filho do governador planetário. Após um aparente golpe de estado, o rapaz se junta a rebelião em busca de independência da Federeção Terrestre. A série é marcada por intrigas e traições desde o primeiro episódio.
Enquanto o foco de Macross e Gundam era o drama humano de seus personagens, Dougram primava pelo foco na estratégia e na política. Não havia espaço para ases intrépidos ou super protótipos: a única “vantagem” da máquina do título era ser o primeiro Combat Armor desenvolvido especificamente para lutar no ambiente inóspito de Deloyer. Dougram não marcou a animação tanto quanto Macross e Gundam; Takahashi abordonou os mesmos temas em Sokou Kihei Votoms, em 1983, e Aoki Ryusei Layzner, em 1985, ambas com um foco mais individual. Enquanto Dougram era uma série “realista”, Votoms conta com um protagonista digno de filmes de ação americanos, Chirico Cuvie, capaz de derrotar centenas de inimigos sozinho. Já Layzner conta com um robô beirando o super, o supracitado Layzner.
Enquanto o foco de Macross e Gundam era o drama humano de seus personagens, Dougram primava pelo foco na estratégia e na política. Não havia espaço para ases intrépidos ou super protótipos: a única “vantagem” da máquina do título era ser o primeiro Combat Armor desenvolvido especificamente para lutar no ambiente inóspito de Deloyer. Dougram não marcou a animação tanto quanto Macross e Gundam; Takahashi abordonou os mesmos temas em Sokou Kihei Votoms, em 1983, e Aoki Ryusei Layzner, em 1985, ambas com um foco mais individual. Enquanto Dougram era uma série “realista”, Votoms conta com um protagonista digno de filmes de ação americanos, Chirico Cuvie, capaz de derrotar centenas de inimigos sozinho. Já Layzner conta com um robô beirando o super, o supracitado Layzner.
Votoms: o realismo ante um super soldado. |
Mas a influência de Dougram se deu em jogos: a maioria dos jogos de Mecha bebem do estilo narrativo e tático de Dougram. O clássico Wargame americano Battletech tem muito do estilo de combate metódico e pesado de Dougram (com uma estética chupinhada tanto de Dougram quanto de Macross). Heavy Gear, da Dream Pod 9, vai além, copiando a própria trama de Votoms (e a identidade visual) como plano de fundo para um cenário de RPG. Armored Core e Front Mission tratam suas máquinas com a mesma frieza e realismo que Dougram - e sua política com a mesma sujeira que o clássico de Takahashi.
Da guerra para outras coisas
Essas três vertentes respingaram no resto do gênero, no entanto, principalmente nos anos 80. As equipes de super robôs se militarizaram, os pilotos não eram mais voluntários intrépidos (em seu lugar entravam recrutas relutantes, “ases” cabeça quente e jovens alistados contra sua vontade). A política por trás dos robôs e seu desenvolvimento assumia tons escusos, e o gênero nunca mais seria o mesmo: Mesmo com a “reconstrução” dos super robôs com Gao Gai Gar em 1997, a maneira de se pensar as narrativas de robôs gigantes e a ligação destes com a política estaria para sempre alterada.
Dancouga: a hierarquia militar, em uma série de Super Robôs. |
A influência de Gundam no gênero é palpável nos comandos militares de séries como Tekkaman Blade (tecnicamente, um Henshin Hero), Dancouga (que desconstrói a ideia do "ás heróico de sangue quente" dentro de uma estrutura hierarquizada e como parte de uma equipe) e Gunbuster. Da mesma maneira, essa influência é visível em quão mais fragilizados os pilotos de robôs gigantes se tornaram após o impacto de Gundam. Amuro Rei, embora ainda trouxesse traços de um piloto de super robô, era um jovem temperamental jogado em uma guerra na qual não tinha interesse. Em seu rastro surgiram personagens "fora do seu lugar" como Noriko Takaya, de Gunbuster, Kaine Wakaba, de Dragonar, e o auge desse tipo de personagem, Ikari Shinji, de Evangelion. Em grande parte, encontraram seu caminho, a seu jeito.
Dessa militarização do gênero - e mais importante, do abandono dos elementos mais "heróicos", viriam outras coisas: Mamoru Ohshii levaria os robôs gigantes para o contexto policial com Patlabor. O próprio Yoshiyuuki Tomino, partindo de Gundam, levou o gênero ao extremo do esoterismo com a sombria série Ideon, e novamente com a fracassada Brain Powerd. Bebendo do estilo visual de Moebius, Makoto Kobayashi fez uma fábula pós apocalíptica com Dragon's Heaven. Mais recentemente, o designer Shinji Aramaki abordou o tópico da corrupção e da segurança privada com Viper's Creed. O feito mais importante de Gundam, Macross e Dougram não estava em suas maneiras distintas de mostrar a guerra: estava em sua capacidade de mostrar que os robôs gigantes podiam ser muito mais do que super heróis de dezenas de metros de altura.
E hoje temos, como resultado disso, de robôs surfistas a robôs jogadores de basquete. De máquinas de construção no futuro distante à armas de uma guerra esquecida. E tudo começou em um encontro fortuito entre um jovem e uma máquina de guerra.
Dragon's Heaven: uma fabula e um experimento visual |
há um tempo, fiz um texto falando de um robô gigante dos quadrinhos brasileiros e um por Siegel e Shuster, acabei achando três exemplos, o terceiro era pilotado por garotos, tipo Newsboys Legion e outros grupos da Era de Ouro, Tropas Estelars e Lensman não eram mechas, mas armaduras (tanto que comparam o Homem de Ferro com Tropas Estelares), quando fizeram uma edição japonesa de Tropas Estelares em 1977, chamaram um designer de animes (Kazutake Miyatake) e um capista sci-fi (Naoyuki Kato), nesse site de Patrulha Estelar fala sobre isso:http://ourstarblazers.com/vault/527/
ResponderExcluirhttp://quadripop.blogspot.com/2014/06/ficcao-cientifica-nas-revistas-em.html